27.12.05

Frente e inverso

Poesia? Exceto algumas incursões na adolescência, nunca achei que tivesse jeito para a coisa. Eu estaria menos para poeta que para um mero e ingênuo catador de palavras. Inda mais estudando Jornalismo, o reino do texto corrido.

Nunca use a primeira pessoa,
Proibida a opinião.
Enxugue esse texto, não escreva à toa,
Usar adjetivo? A resposta é não.

Até que um dia me sopraram no ouvido que eu deveria investir no campo da poesia. Tomei coragem, virei blogueiro e tenho alternado prosa e verso. Só que aquela antiga comichão das frases longas, sem métrica ou rima por vezes me ataca. Que poesia o quê!

É só em prosa que eu me encaixo.
Mas, sempre que isso acontece,
Meu senso não me obedece

E pulo pra linha de baixo.

26.12.05

Cinco filmes por ano

Desde há algum tempo tenho me detido neste ou noutro filme como “o meu favorito deste ano”. Para tentar ser o menos injusto possível (o que é muito difícil, convenhamos), resolvi listar, então, qual John Cusack, em “Alta fidelidade”, os cinco filmes que mais me marcaram em cada ano, sem ordem obrigatória; apenas o primeiro é o mais marcante deles. Esta relação se iniciava em 2001, quando passei a ver o cinema com outros olhos (história esta que conto aqui), mas resolvi adicionar 2000 pois foi quando comecei a anotar cada filme a que assistia. Apenas não estranhem "Matrix" em 2001. Crime imperdoável, não o vi no cinema.

2000
Quero ser John Malkovich
Tenha fé
Beleza americana
A lenda do pianista do mar
Dogma

2001
Moulin Rouge!
Amnésia
Inteligência artificial
Matrix
Quase famosos

2002
O senhor dos anéis: a sociedade do anel
Clube da luta
O fabuloso destino de Amélie Poulain
Cidade de Deus
O poder vai dançar

2003
As horas
Capitães de Abril
Kamchatka
A viagem de Chihiro
O senhor dos anéis: o retorno do rei

2004
Brilho eterno de uma mente sem lembranças
21 gramas
Antes do amanhecer
Encontros e desencontros
Diários de motocicleta

2005
Hotel Ruanda
Ray
A queda!
Hora de voltar
Quanto vale ou é por quilo?

24.12.05

Presente

À beira do início da vida
À margem da vista das gentes
Um’alma se encolhe incontente
À espera que o tempo decida.

E quase que em sua tristeza
Apaga sua própria memória
Não fosse contar a história
Dos dias em que se viu presa.

Palavra de um anjo caído
Traduz-se em vida liberta
E além da amizade desperta
Um homem se vê renascido.

23.12.05

Flagrante

Dia desses, em um ônibus, vejo dois senhores conversando animadamente sobre TV e cinema. Aí um deles, falando com a segurança de quem entende do riscado, diz:
– Sabe, o Joel Schumacher, que foi o produtor do "Senhor dos anéis", produziu também o "King Kong"...
Tive que me controlar para não rir. Gafe à parte, pensei: não adianta, uma vez colônia, sempre colônia. Ainda é mais fácil lembrar o norte-americano que destruiu Batman do que o neozelandês que construiu a Terra Média.

22.12.05

A espiral

Isto me faz lembrar uma crônica do Verissimo. A idéia é parecida... mas vá lá. Toda gente entra numa espiral dessas vez que outra. Mesmo que não eu esteja usando nenhum remédio que não sei onde meti. Bem, talvez seja por isso mesmo.

E começo justo por ela, a crônica cujo nome não lembro. A necessidade de não esquecer nada. De fazer caber no cérebro a Encyclopaedia Britannica. Afinal, quem mais lembra mais será lembrado. I forgot to remember, ou algo assim. Acho que é um nome de música... ou será de um disco? Minha memória não dá certeza. Exceto a de que tenho apenas uma vaga idéia.

Também, a quantidade de coisas que nos obrigamos a lembrar! E, para piorar, ainda uso agenda. Sem ela, talvez tivesse mais tempo, pois certamente esqueceria uma porção de obrigações todos os dias.

Como... fazer as compras. Pagar as contas. A do condomínio não, pois esqueci o vencimento e, agora, a multa é a mesma em qualquer dia. Um nome para o meu filho. Este filme não posso perder!!!! Quinze telefonemas, trinta e-mails e ainda se livrar do lixo eletrônico. Época de Natal? Presentes, cartões, mais e-mails. Aproveitar ao máximo o recesso e ainda não ficar alardeando porque pega mal. Cuidar-se. Parecer sereno, para que não apareçam rugas, como os monges de “O nome da rosa”. Aparar as unhas e a barba, pois não quero que me peguem para Zé do Caixão ou Raul Seixas. Espelho, espelho meu, existe alguém mais belo do que eu? Frankly, my dear, I don’t give a damn.

E assim voa a humanidade, porque, se caminhasse, não chegaríamos sempre atrasados. Passar no concurso. Ser bamba em informática, culinária, enologia, história medieval, renascença italiana, expressionismo alemão, economia popular e ainda dominar quatro línguas. A Caverna de Platão e o materialismo de Hegel. Crônica, conto e poesia. Escrever e ler, ler, ler. Todos os jornais, todos os noticiários da TV e todos os do rádio, senão eu não sou jornalista, pregavam os professores da faculdade. Não seria melhor na época de Groo, o Errante? O menestrel, por mais chato que fosse, servia de jornalista, músico e poeta num só pacote. Venda casada séculos antes do capitalismo selvagem. Nada de celulares que funcionam geralmente nas ligações de engano e para avisar que seus créditos estão acabando. Recarregue seu aparelho. O Orkut servidor agiu de forma inesperada. Este programa cometeu uma operação ilegal e será fechado.

Chega! Quisera que essa espiral não fosse como aquela sem fim de “Um corpo que cai”, e sim uma simples mola de relógio que, de tanto apertar, quebra e volta à posição normal, relaxando-se. Com uma só cajadada, dois coelhos: nada de espiral e nada de relógio. Se, depois de tudo, for um lugar como aquela praia plácida onde Jodie Foster caiu e encontrou seu pai, não será de todo mau. Aí, quem sabe, poderei pensar serenamente nas pessoas que amo e até, numa crônica, citar o nome daquela que o Verissimo escreveu. Por enquanto, só consigo lembrar os Zugspitzartisten.


Mas por que diabos estou lembrando os Zugspitzartisten?

21.12.05

Caderno de notas

Há uma presença
Na ponta da língua
E uma lacuna
Tomando o espaço.
A linha fluindo
Estanca e se torna
Arame farpado
Ferindo as palavras.
Pousados descrença,
Ciúme, egoísmo,
Ocultam as cores
E vejo meu sangue.

Quem dera assim fosse,
Sacudo o tempo
E digo aos agouros:
É outra a conversa.
Agarrem-se firme
Que a folha amassada
Não vê o descaso
E a desnecessidade.
E o meu pensamento
Qual água corrente
Carrega embora

A dor e o silêncio.

14.12.05

O mecanismo da amizade

(ou: Uma conversa no Messenger)

Mona Lisa diz:
Oi, Carpe Diem! (carinha sorridente) Há quanto tempo eu não teclava com vc!
Carpe Diem diz:
Oi, Mona.
Mona Lisa diz:
Ué, tem algo de errado? Como está o amigo?
Carpe Diem diz:
Tô mais ou menos...
Mona Lisa diz:
O que houve?
Carpe Diem diz:
Ando por aí, sem nada pra fazer...
Mona Lisa diz:
E aquela turminha das saídas, das baladas...
Carpe Diem diz:
Vc nem sabe. Foi um pra cada lado. Lembra a Fernanda, que tinha ido pra Europa estudar?
Mona Lisa diz:
Claro!
Carpe Diem diz:
Me disseram que tá trabalhando lá... e tanto que nem tem tempo pra ver os amigos na Internet.
Mona Lisa diz:
Normal... mas e os outros?
Carpe Diem diz:
O Bruno se converteu praquela religião do programa de TV e agora não vê mais os amigos.
Mona Lisa diz:
Por quê?
Carpe Diem diz:
Sei lá, parece que mudou os hábitos... e aí foi aparecendo cada vez menos.
Mona Lisa diz:
Que pena.
Carpe Diem diz:
Tinha a Bete, ainda... aquela do curso de espanhol.
Mona Lisa diz:
Lembro.
Carpe Diem diz:
Não sei, ela parece fogo de palha. Se entusiasma no início com as pessoas, mas depois vai se afastando.
Mona Lisa diz:
Por umas histórias que vc me contou, eu já desconfiava...
Carpe Diem diz:
É... e vc? Abriu aquela empresa?
Mona Lisa diz:
Abri, sim, mas o meu sócio, o Márcio, saiu e me deixou com uma porção de dívidas, olha só!
Carpe Diem diz:
(carinha assustada) Tá brincando! Mas ele não era um velho amigo?
Mona Lisa diz:
Vc disse bem, era...
Carpe Diem diz:
Ninguém merece! E vc não vai fazer nada?
Mona Lisa diz:
Ainda não decidi. Mas pode ser que eu entre na Justiça, aquele desgraçado.
Carpe Diem diz:
Também, com o que ele aprontou! E agora, o que vc anda fazendo?
Mona Lisa diz:
Depois que terminei com o Leonardo, quase só trabalho e estudo... aliás, nem sei por que ainda não mudei o meu nick...
Mona Lisa diz:
(carinha pensativa)
Mona Lisa diz:
Ué, sumiu? (carinha chorando)
Mona Lisa diz:
Ei, Carpe Diem, kd vc?
Carpe Diem diz:
Desculpa, eu estava pensando...
Mona Lisa diz:
Em quê?
Carpe Diem diz:
Como é complicada essa história de amizade. Vc um dia está cercado, no outro está sozinho. Que acha se eu escrevesse alguma coisa sobre isso?
Mona Lisa diz:
Legal. Pq vc não escreve?
Carpe Diem diz:
Sei lá. Tenho de medo de ficar parecendo aquelas mensagens bobas que se recebe na net. Ia ficar brega.
Mona Lisa diz:
Aquelas, de florzinhas e ursinhos se abraçando?
Carpe Diem diz:
Essas mesmas. Hahahaha
Mona Lisa diz:
Hehehehe (carinha sorrindo)
Carpe Diem diz:
Eta assunto batido! Como escrever sem parecer brega?
Mona Lisa diz:
É, mas amizade aparece em tudo, na TV, no cinema, nas músicas... O Milton Nascimento vive cantando sobre amizade e não é brega.
Carpe Diem diz:
É mesmo. Como será que ele consegue?
Mona Lisa diz:
Não sei. Deve ser um segredo que ele guarda debaixo de sete chaves. Hehehe
Carpe Diem diz:
Hahahaha Essa foi boa!
Mona Lisa diz:
E que título vc vai botar no texto?
Carpe Diem diz:
Hmmmm... pensei em “O mecanismo da amizade”.
Mona Lisa diz:
Uau! Gostei, garoto.
Carpe Diem diz:
Não é coisa minha... é um verso de uma música da Legião.
Mona Lisa diz:
Mas é bonito. Quando vc terminar, quero que mande pra eu ler.
Carpe Diem diz:
Mesmo?
Mona Lisa diz:
Mesmíssimo! Faço questão.
Carpe Diem diz:
Puxa... tá bom. Se sair alguma coisa...
Mona Lisa diz:
Aposto que vc consegue. (carinha piscando)
Carpe Diem diz:
Brigaduuuu! Já estou até mais animado! Vc é uma amigona, sabia?
Mona Lisa diz:
Claro! A gente tc há décadas! Hehehe Vc é um amigão tb!
Carpe Diem diz:
Brigado de novo! Já reparou numa coisa? Alguns amigos a gente perde, outros a gente redescobre.
Mona Lisa diz:
É o mecanismo da amizade, né?
Carpe Diem diz:
Se é... Puxa, tá ficando tarde. Tenho que ir, senão durmo aqui mesmo.
Mona Lisa diz:
É mesmo. Se o tempo correu, é porque a conversa foi boa, não acha?
Carpe Diem diz:
Acho. Um beijão pra vc... ah! E eu há tempos estou pra te fazer uma pergunta... (carinha tímida)
Mona Lisa diz:
Pode fazer.
Carpe Diem diz:
Como é seu nome?

10.12.05

Bom e velho Macca


Gostei muito do mais recente disco de Paul McCartney. Basta penetrar no aparente “caos” de cortinas nas janelas e roupas no varal que se encontra ali, violão em punho, o mesmo talento criador que, à época em que foi tirada a foto p&b da capa, estava se iniciando em um grupo chamado The Beatles.

Com tantos altos e baixos em sua carreira solo, provavelmente McCartney tenha obtido em “Chaos and creation in the backyard” seu maior triunfo desde “Tug of war”, de 1982. Comparando “Chaos...” com os dois trabalhos anteriores, Paul fez um disco mais soturno e musicalmente elaborado que “Flaming pie”, de 1997, e não tão ruidoso e experimental quanto “Driving rain”, de 2001. Nas treze faixas, Macca obteve uma surpreendente unidade, caprichando tanto nas melodias quanto nos arranjos, baseados principalmente em violão, piano, percussão e cordas.

“Chaos and creation” parece consagrar uma fase amargurada e “cinzenta” na carreira de Paul, iniciada com “Driving rain”, mas com muito mais sobriedade, intimismo e ponderação. Há espaço para Paul contar mais uma de suas “historinhas”, como em “Jenny Wren”, uma faixa que, pela sonoridade e simplicidade, poderia ter saído do “Álbum branco” dos Beatles – e também para uma agradável balada sobre confiança, amor e amizade, em “Follow me”. Mas McCartney deixa transparecer o amargor em canções cínicas como “Riding to Vanity Fair”, sobre falsidade, e a aparentemente alegre “Friends to go”, sobre situações indesejáveis.

Estaria o ex-beatle voltando às origens? Só se a fotografia da capa, tirada em 1962, servir de metáfora para um retorno à genialidade do compositor àquela época. Porque, mesmo permanecendo fiel ao seu estilo, Paul McCartney consegue ainda, encaminhando-se já aos 64 anos, como ele cantava naquela longínqua faixa de “Sgt. Peppers”, mostrar maturidade e inovar em suas criações. Bom e velho Macca... Velho?

5.12.05

Crer ou não crer

Quase por acaso, caiu em minhas mãos uma compilação de cartas e outros textos escritos pela pintora mexicana Frida Kahlo. Lendo um deles, detive-me em uma frase representando uma opinião do marido de Frida, o também pintor Diego Rivera: “Quando a dúvida termina, começa a estupidez”. Quase caí na tentação de perguntar se não seria estúpido quem tem certeza absoluta da verdade da frase, mas essa armadilha não funcionou após uma segunda análise.

O problema, na realidade, é acreditarmos piamente em tudo que nos é dito e ficarmos acomodados, como se não nos dissesse respeito ou não houvesse alternativa de pensamento ou atitude. É um vício cultural que não é exclusividade terceiro-mundista, mas é nossa parte do mundo que mais sofre com ela. E tudo começa na escola. Se inclusive as “verdades” da física são relativas, válidas apenas para ambientes “ideais” – e, por isso mesmo, inexistentes –, o que dizer daquele ensino fragmentado e insípido de literatura, história e geografia que os governos militares tão gentilmente nos deram?

Já na universidade, uma das máximas determinava que o jornalista precisa “desconfiar de tudo”. Muito bem, as coisas começam a melhorar. Mas quem permite que desconfiemos das notícias chapa-branca que até o atual governo, dito dos trabalhadores, manda publicar? Nós, jornalistas, estúpidos ou não, contribuímos para a disseminação e perpetuação da estupidez, pois reforçamos que o que fulano ou beltrano disseram era verdade. Assim manda o bolso no final do mês.

E a submissão total às “verdades” campeia nas mais diversas áreas – moda, comércio, publicidade, política, religião, literatura, artes (que o dissessem Frida e Diego, se vivos fossem!)... Pensando bem: todas as grandes descobertas e invenções surgiram de alguma dúvida, alguma inconformidade. Se o ser humano levasse menos tempo para questionar a realidade, provavelmente já teríamos computadores séculos atrás.

Essa é uma postura dialética, ou seja, os fatos, a realidade, estão aí para serem contestados, discutidos. Por isso é que Marx foi genial: mesmo que ele tenha ficado à margem, graças às grandes “verdades” da Guerra Fria e do fim da União Soviética, e que os proletários de todos os países não tenham se unido, a luta de classes – da qual a luta de idéias é uma manifestação – sempre existirá. Quem contestar a verdade da frase que abriu esta crônica nada mais fará que estabelecer também uma dialética e, com ela, uma luta de idéias, o que é sempre positivo.

Por sinal, não seja estúpido: não acredite piamente em tudo o que escrevi.

3.12.05

Minas, julho 92

I
O sol me acordou serpeando a estrada
E subindo a serra ele viu os meus olhos
Na serra de verde, de seiva e de orvalho
O sol nunca visto é um velho amigo.

II
Serra de encantos,
de amigos, de cores,
de anjos, de igrejas,
de suaves amores;
de tempos, lugares,
histórias, esquinas,
de cheiros, de lares,
de prantos, de cantos,
de minas.

III
Cabelos de terra, os olhos da mata
E beijos com gosto de amor revivido.
Apenas a noite, medida exata
Pro dia não ser nunca mais esquecido.

IV
Um dia eu espero
Te ver bem defronte
Talvez não tão belo,
Mas muito horizonte.