7.8.06

Longe

Mirando ao longe os campos que passam
Meus dedos agarram as curvas da estrada
Arados que deixam sementes de asfalto
E ligam da realidade dois nadas.

Desisto do tempo parado no tempo
Sereno não faço da ruga o disfarce
E busco nalgum olvidado futuro
Um dia que o dia esqueceu de lembrar-se.

Perdido num ponto entre o sonho e a noite
Pretendo acordar na suave aragem
Carícia invisível que tece cabelos
Ao anjo que faz companhia à paisagem.

Bailando alegre um sorriso viaja
Certeza de paz no olhar que inebria
Se é longe que as asas afagam a pele
É longe que quero sonhar noite e dia.

6.8.06

Instinto paternal

Leio na revista Época a respeito de uma pesquisa, feita na Inglaterra, com 8.400 homens que acabaram de ser pais. Destes, 3,6% apresentavam tristeza, irritabilidade e ansiedade, sinais do que poderia ser chamado de depressão pós-parto masculina.

Viro-me então para o lado. Ali, deitada, Luísa me olha atentamente enquanto leio, os braços agitando-se, como que buscando um mundo que, para ela, tem apenas três meses de existência. Custo a desviar de novo o olhar, pois existe algo além de curiosidade mútua ou do laço de sangue que nos une. Em algum recôndito do DNA, esse misterioso software da vida, a evolução caprichosamente reservou aos dois, pai e filha, uma estranha e irresistível afeição, pronta para aflorar no momento em que Luísa nascesse. Tão inexplicável quanto a idéia de depressão pós-parto masculina, eu tinha instinto paternal e não sabia.

Não que a chegada de minha filha não tenha trazido momentos de insegurança, cansaço, nervosismo ou “o que é que eu faço agora?”. No entanto, vejo, aqui e ali, que, se cada vez mais o homem toma parte da criação dos filhos, chegando a ser presença freqüente na hora do parto, em muitos casos ele ainda resiste à quebra dos tabus, recusando-se inclusive a segurar um bebê. Felizmente, a barriga que abrigou Luísa por oito meses me mostrou que eu não estava no segundo grupo.

Sei de homens que ridicularizam o efeito produzido pela chegada de um bebê a um ambiente onde há mulheres. Posso não ficar tão eufórico – eu nem acho que “todos os bebês são lindos”, como há quem diga. Luísa, entretanto, me ajudou a compreender o que acontece nessas ocasiões. Se ela me propiciou uma indescritível sensação de realização, alegria e orgulho quando pude levá-la ao vidro do berçário, o que se dirá da mulher, que tem na geração de um filho talvez seu maior desígnio, marcado em nível cromossômico?


“Existe amor maior?”, já me perguntou uma amiga. Não sei, pois, se cada amor é diferente, como sempre considerei, o amor da mãe e o do pai também não podem ser comparáveis. Eu mesmo não sabia o que sentiria no momento em que visse Luísa, e o amor por minha filha, que eu mal conseguia imaginar, ainda estou descobrindo dia após dia. Um misterioso e encantador recado que Luísa tem me dado sempre que ela se pára a me fitar os olhos, com suas janelas da alma brilhantes e azul-acinzentadas.