29.9.06

Debate-papo


Estava na cara que o presidente não participaria do debate de ontem à noite na TV Globo. Por que Lula iria se expor, faltando três dias para a eleição, com as pesquisas sorrindo e os candidatos de oposição mostrando as garras? Por que Lula teria a necessidade de confessar, frente a Geraldo Alckmin, Cristovam Buarque e Heloísa Helena, que não sabia de nada da corrupção que acontece dentro do seu governo?

Lula tem mais sorte que juízo. Os R$ 95,00 do Bolsa Família falam muito mais alto que os R$ 1,7 milhão do dossiê dos Vedoin ou mesmo os R$ 70 milhões da máfia dos sanguessugas. Esses R$ 95,00 é que deverão fazer do torneiro mecânico presidente até 2010 - e em primeiro turno. Garantidos esses reais no fim do mês, qual o problema se o presidente desconhece maracutaias ou ignora a importância de enfrentar na TV seus oponentes?

O presidente esvaziou, desqualificou o debate, transformado que foi em uma conversa de bar, um bate-papo amigável, os outros candidatos concordando entre si a maior parte do tempo. Só faltou a cervejinha. Apenas Heloísa Helena fincou o pé com mais força, ao atacar, além de Lula, os oito anos do governo FHC, respingando em Alckmin. De resto, parafraseando Cristovam Buarque, foi um debate doce, só que sem revolução nenhuma. Eymael é que gostaria de estar lá - porque, mais uma vez, Lula deixou a cadeira vazia.

(Foto: http://www.agorams.com.br/imagens/fotos/86752.jpg)

24.9.06

Saudades, saudades

Pego o jornal e lá está na capa a tradicional foto dos premiados se acotovelando no palco do Palácio dos Festivais, em Gramado. Outro dia, é um novo ciclo de filmes exóticos - sejam eles russos, iranianos ou brasileiros. Mais um pouco e já estão falando de novo no Oscar. Parece que é tudo só para me lembrar de que há dois intermináveis meses eu não entro em uma sala de cinema. Em outros tempos, era bem mais fácil conferir a programação e decidir o filme a que eu assistiria dali a meia hora.

Mas nem preciso ir muito longe: em fevereiro último, quatorze vezes meus artistas favoritos me viram no cinema, em meio ao público. Agora, que a rotina é outra, se mal consigo ver os filmes pipoca, que se dirá dos que estimulam as células cinzentas a funcionar e o espectador a ficar em casa? Saber que tantos filmes são exibidos para o meu lugar vazio no cinema me enche de uma melancolia, de saudades que aos poucos vou tentando matar.

Que saudades? Dos artistas do cinema, dos diretores, da obra de arte chamada filme. Foi para matar saudade de Kevin Spacey que fui ver o pipoquésimo “Superman returns”. Sou conservador demais, dirão alguns, mas nada se compara ao Lex Luthor de Gene Hackman, menos louco e (deliciosamente) mais irritante. E, claro, Brandon Routh, com a difícil tarefa de suceder a Christopher Reeve, prova que quem nasceu para Superman nunca conseguirá ser Clark Kent.

Matei saudades encontrando Elijah Wood na locadora, olhos esbugalhados atrás de fundos de garrafa e um campo de girassóis à volta. “Uma vida iluminada” – o que dizer, então, do filme, um tocante e bem-humorado road movie? Bárbaro o choque cultural mostrando que não apenas os judeus seguem em busca de seu passado e suas origens; os países surgidos do fim da União Soviética também vivem, à cata de algum futuro, uma crise de identidade.

Na locadora também cruzei com Ben Kingsley, que há tempos não encontrava. Quase irreconhecível atrás da maquiagem de Fagin, ele honrou o “Oliver Twist” de Roman Polanski, um belo e cuidado filme, mas que não me contagiou. Kingsley continua provando sua capacidade para encarnar qualquer personagem – em qualquer ponto do gradiente entre Gandhi e o ultraviolento Don Logan de “Sexy beast”.

Saudades, saudades. Ainda há muitas das quais tenho que me livrar. Natalie Portman havia sido um grato encontro em “V de vingança”, mas convenhamos: a voz de Hugo Weaving, apenas, não conta. Saudades, saudades. E pensar que há alguns meses eu me perguntava apenas por Winona Ryder. É por culpa minha, mas onde estão a camaleônica Cate Blanchett, o doce e tristonho olhar de Claire Danes, a versatilidade de Edward Norton, as mulheres, os homens e os gays de Almodóvar?

Até a semana passada, a trilogia dos mutantes de Charles Xavier ainda estava inconclusa para este pretenso cinéfilo, que se apraz tanto com o alternativo quanto com o arrasa-quarteirão. E, afinal, M. Night Shyamalan é um gênio ou um embuste? Como o Sean Hagen optou pela segunda alternativa, eu, que gosto do trabalho do cineasta indiano, lamentei ainda mais o fato de ter deixado “A dama na água” sair de cartaz.

Depois que os olhos de Luísa se abriram, literalmente uma nova vida surgiu diante de mim, e meus amigos de celulóide não poderão mais me ver sempre que quero. Essa arte chamada de sétima (e que seria primeira se de mim dependesse) está me ensinando outra, a arte da paciência. E espero ter a mesma paciência que vocês têm tido com minha ausência, meus saudosos amigos.

16.9.06

Auto-retratos


Dois olhos me olham da tela
E fixos adentram o peito;
Perguntam: agora o que é feito
Dos sonhos – os meus e os dela?

Os olhos me auto-retratam
Da moça que jaz impaciente;
As dores que aguçam a mente
São gêmeas das dores que matam.

Então, qual retrato de Frida
O artista já sem esperança
Da dor vencedora descansa
Vencido, vomita a vida.

E a arte (o artista é quem nota)
Na vida é única fresta:
A tela, este corpo que resta,
A tinta, este sangue que brota.


Tela: Frida Kahlo, "Sin esperanza". http://i24.photobucket.com/albums/c21/agentlain/Frida_Kahlo_without_hope.gif

12.9.06

Situação crônica

Às vezes, ele está mais calmo. Outras vezes, dói no ouvido. Esta semana tem doído tanto que não houve como não falar na pseudocrônica que Pedro Bial tem feito na viagem do Jornal Nacional pelo interior do Brasil. E imaginá-la por escrito, como está eternizada no site da Globo, chega a ser constrangedor.

Segunda-feira, em Belém do Pará, o âncora do BBB ia bem até dizer que a caravana JN estava tomada “pela febre da estrada”. Percebem-se os efeitos. Depois, o filósofo Benedito Nunes, entrevistado do dia, comentava sua distância dos grandes centros: “A margem sempre me dá um distanciamento. Eu sempre fui um marginal”. E a pérola bialesca, navegando pela margem errada: “Não há marginal mais doce e íntegro”.

Na terça, insisti outra vez em acompanhar a caravana, mais por inércia que por crédito às histórias que Bial tem a contar. O ônibus foi substituído por um barco, que margeia a Ilha de Marajó rumo ao rio Amazonas. E o sol torrando as células cinzentas: “No mapa o labirinto de braços de rios até parece fazer sentido. A olho nu, horizonte exagerado”. Bial começa a ver coisas: “Às margens, o povo em rebuliço acena para nós”. Eu pensei ter visto seis ou sete crianças acenando.

Achei válido, realmente interessante, o Jornal Nacional querer mostrar um pouco das paisagens, da cultura e das vozes do nosso país. Mas uma empreitada desse tamanho, para cobrir 8,5 milhões de quilômetros quadrados em apenas dois ou três minutos a cada dia, ao longo de dois meses, merecia mais informação, mais objetividade e menos enfeites com as palavras. O espectador perde seu tempo; Bial, oportunidades diárias de ficar calado; e a Globo, a chance de compor uma série jornalística memorável.

10.9.06

Pulsar

Procuro o pulsar de uma veia escondida
Saber-te lembrada nalgum mundo estranho
Alegra, mas vejo que, feito as ondas,
Amigo, os dias não são todo dia.

Aléias em flores, rasgadas com zelo
Amor pede tempo e ainda à espera
Dar vida às imagens, prazer indizível
Lá fora a turba anseia e se esquece
O sol do inverno, o aroma do campo
Inveja e ciúme, distância e desprezo
Saudade estampada nos braços abertos
Silêncio que grita oculta tristeza.

Transforma-se a vida, um nada após outro
E encontro o pulsar espontâneo dos dias.
Se muito o artista pergunta à lembrança
Responde a memória na folha em branco.

7.9.06

Sete de Setembro

Há alguns dias, encontrei, entre as páginas de um livro antigo, uma bandeira do Brasil. Ela era igual àquelas que recebíamos na escola e, ingenuamente, acenávamos na Semana da Pátria, sem termos noção do que aquele retângulo de papel verde-amarelo realmente representava. Para mim, eram manhãs ensolaradas de inverno, desfiles por obrigação, “Já podeis da Pátria filhos” e a vaga idéia de que vivíamos no melhor dos países.

No entanto, por mais forte que fosse a tão criticada imagem ufanista que os governos militares quisessem dar ao Brasil – sim, quando aprendi a ler e escrever o presidente era Médici –, uma sutil maré contrária acabou se mostrando mais poderosa que este país que vai pra frente. Afinal, eram oito anos de ditadura militar contra 472 de subserviência.

Não admira que patriotismo sempre tenha me parecido uma idéia confusa. Desfilar e cantar o hino contra a vontade mostrava tanto fundamento quanto associar o salesman Papai Noel a um Cristo despojado, nascido numa manjedoura. Tudo porque, entre um Sete de Setembro e outro, temos 364 dias de complexo de inferioridade.

Que sejamos uma terra de degredados, de cidadãos de segunda classe, de um rei que abandonou apavorado sua pátria. O problema é ainda nos sentirmos assim após tanto tempo. Afinal, os ingleses de segunda classe também cruzavam o Atlântico, rumo aos futuros Estados Unidos. Alguém um dia disse, e desde então, acreditamos, que o importado é sempre melhor. Nós, gaúchos, particularmente, chegamos ao ponto de nos acharmos melhores que o resto do país, salvos que fomos pela herança italiana e germânica. Racistas, nós? E brasileiro é raça?

Não é à toa que achamos ridículos ingleses e norte-americanos quando vestem roupas à la The Union Jack ou Stars and Stripes. O que se diz de alguém que ousa trajar verde e amarelo? “Parece uma bandeira do Brasil!” E qual é o problema? Ou quer me enganar que não ouvi um tom pejorativo na pergunta?

O tamanho de nosso patriotismo equivale ao das conquistas da Seleção. A Copa do Mundo é o único evento que vale a pintura dos meios-fios em verde e amarelo, e a certeza do hexa foi transformada, em apenas 90 minutos contra a França, na certeza de que nunca chegaríamos lá com aquele time.

Contribuem para essa visão nossa formação, nossa história, nossos governantes, mas também cada brasileiro, todos os dias. Temos um país rico, exuberante, com um povo inteligente, criativo – mas que não se ama. Não é o caso de louvar um ufanismo que existia para nos alienarmos e fecharmos os olhos para os desmandos de duas décadas de generais. É o caso de olharmos para nós mesmos e acreditarmos que podemos querer e ter o melhor para a nação. Se o ufanismo aliena, o baixo amor-próprio do brasileiro também, pois, fora o futebol, a Marquês de Sapucaí e a beleza feminina, não temos identidade, não procuramos nada do que nos orgulhar.

A solução? Isso passa pela educação, pela cultura, por décadas e décadas de melhor sorte nos governos. Séculos, talvez. A começar pela exigência dos pequenos direitos do cotidiano. Se não exigirmos, não nos será dado. Aos poucos, quem sabe, a idéia do direito de cada um possa alastrar-se e infiltrar-se na mente da nação que, lá fora, há de mostrar quem realmente podemos ser. Cidadãos que têm orgulho de seu país, seus símbolos e que podem legitimamente, no Sete de Setembro, comemorar sua independência das outras nações.