30.3.07

A vida começa...

Bem, aqui estou de novo. Sempre voltando, sempre recomeçando. Os 43 dias entre o texto que se vê logo abaixo e o anterior puseram no chinelo as duas semanas a que eu havia me referido em fevereiro.

As férias não foram o único culpado, os últimos três ou quatro meses foram conturbados para a inspiração, que ia e vinha, apenas deixando inertes, misturadas num saco, algumas palavras em busca de uma continuação. Estranho final para um quadragésimo ano agitado, de descobertas e desilusões, de temores e vitórias, de passos e tropeços, de gente que chegou e gente que se foi.

Espero poder juntar, nos próximos textos, algumas dessas passagens, mesmo que pareçam caducas. Para a vida começar, é necessário reconciliar-me com esses momentos perdidos no baú, exprimi-los (ou será espremê-los?) e encontrar os momentos novos.

Sigamos em frente. Como uma amiga mesmo me disse, não é preciso temer.

20.3.07

Ventos de março

O ponteiro das horas já venceu bem mais que metade da curva da noite, mas o sono não me vence. Caem gotas de chuva no telhado, tão esparsas quanto têm sido minhas palavras. “Promessas de vida”? As ditas águas de março, nesta terra, pouco mais são do que promessas. Tanto que permitem que eu abra a janela e misture ao escuro do quarto a cor da madrugada.

Contudo, o ar é diferente. Agora ele se move e alivia o calor dos últimos meses. Higher wind, lower temperature, pois o trocadilho é impossível em português. Fecho então os olhos para que a mente se concentre apenas na brisa que anuncia minha estação favorita – e as palavras voltam a fluir.

* * *

Como pode tanta gente não gostar do vento? Há quem se ponha nervoso quando venta, há quem diga que até o trânsito fica mais confuso. Por quê? Hora de vento não deveria ser motivo para voltar para casa na pressa, e sim para apreciar na rua, com calma, o belo espetáculo da virada do tempo, de folhas revoltas no chão e cinzentos mutantes no céu.

Ele não é apenas uma fonte inesgotável de energia; o vento é pai de todas as figuras que enxergamos nas nuvens e também do doce acalanto do mar quebrando na praia. Mais do que o sol e a chuva, o vento transcende os sentidos, carregando mágoas e trazendo inspirações sem que ninguém o veja. Uma manifestação tátil do tempo: por isso, segundo Erico Veríssimo, sempre que acontecia algo importante, estava ventando...

E, no entanto, o vento sempre foi o primo pobre das intempéries. O sertanejo agradece aos santos pela chuva na roça, e a cidade se transfere para o litoral à cata de dois metros quadrados de sol na beira da praia. O vento costuma ser lembrado pela areia levantada, pelos cabelos em desalinho ou pelos papéis esparramados, como as folhas do trabalho de Winona Ryder em “Colcha de retalhos”.

Neste país em que os dias frios ficaram no passado, ainda se cultiva a idéia do encontro romântico num tapete, lareira acesa, janelas fechadas... por que não uma janela entreaberta e a agradável música da brisa nos cabelos e na pele? Mesmo com temperaturas amenas, enclausuramo-nos em ares viciados e individualistas e fugimos dessa parte da natureza que, felizmente, não corre risco de extinção.

Uns dias chove, outros dias bate sol, mas o que eu quero lhe dizer é que, para que um desses dois extremos aconteça, há sempre o vento. Ele é para o tempo como uma transição, uma meia-estação, o lusco-fusco, ou a expectativa de uma mudança em nossas vidas. É por isso que tanto me agrada chegar com Luísa à janela e vê-la sorrir cada vez que o vento lhe acaricia o rostinho.