26.7.07

200

Passados nove dias, a tragédia do vôo JJ 3054 em Congonhas ainda domina os noticiários e as conversas. O post que escrevi logo abaixo, algumas horas após o acidente, quem diria, teve quatro comentários, marca invejável para este modesto blog. Coincidência ou não, dois deles vieram da Grande São Paulo e outros dois de Porto Alegre. Cada um deles contribuiu para que eu voltasse ao assunto – e mostrando, cada um a seu jeito, a perplexidade causada pelos fatos da terça-feira, 17 de julho.

Para o estilo sucinto da Katia, duas palavras sintetizaram o sentimento: triste e preocupante. A Maristela preferiu uma metáfora... quem dera fossem apenas gatos num novelo de lã! E o dinheiro gasto no Pan não é o problema, mas concordo com a Camila no que toca ao amadurecimento das instituições. Por fim, o Sean só confirmou o que eu havia comentado no blog da Márcia Benetti: tivesse eu esperado mais algumas horas para escrever e meu texto já seria bem diferente.

A emoção do primeiro momento fez ecoar nas palavras uma indignação que vinha desde a queda do jato da Gol, que desencadeou a chamada “crise do setor aéreo”. Não estou culpando governo, TAM, pista do aeroporto ou quem quer que seja pelo desastre. Deus queira que eu nunca seja chamado de especialista em qualquer coisa. Mas o governo federal ficou omisso durante dez meses, jogando a culpa aos céus, e o preço por enquanto foram 200 vidas.

Um amigo meu, que tem curso de pilotagem, está indignado com a cobertura dada pela imprensa: aquelas ranhuras que ajudam a drenagem da pista, o tal de grooving, não impediriam o acidente. Nem o reverso seria obrigatoriamente a causa. E por que, pergunta-me ele, tanto espalhafato se muito mais gente continua morrendo nas estradas?

Não, o avião não deixou de ser o meio de transporte mais seguro. Mas nunca vi um acidente rodoviário matar, sozinho, 200 pessoas. E também 200 famílias morreram um pouco em fração de segundo. Jornais, TV e Internet exageram na dose, confundem às vezes, manipulam sempre – a Globo, por exemplo, parece empenhada em desacreditar o aeroporto de Congonhas –, mas a comoção nacional e a necessidade de respostas são inegáveis. Houve problema no reverso, houve derrapagem? A velocidade do avião era alta ou baixa? Até ontem, eu achava que o piloto havia tentado arremeter, não sei mais. Isso sem contar a balbúrdia que se tornaram nossos aeroportos.

Cada um tem sua temperatura de sangue, esta é a minha. Na quarta-feira passada, era um choque ver, na rua, bandeiras a meio pau, em luto pelas vítimas do acidente. O tempo vai aparando as arestas, mas ainda estou perplexo com os fatos e irritado com a inatitude, que tem sido, com a corrupção e a desfaçatez, um dos grandes males deste país. Por duro que seja dizer, talvez tenham sido necessárias as 200 mortes de Congonhas para que alguma coisa aconteça.

18.7.07

Outro

Bombeiros trabalham no local do acidente que ocorreu durante o pouso de um Airbus da TAM causando uma explosão no terminal da companhia no Aeroporto de Congonhas, na zona sul de São Paulo, na noite desta terça-feira.

Se o envolvimento de pilotos norte-americanos no acidente do Boeing da Gol, em setembro passado, nutria inclusive teorias da conspiração imperialista, o governo federal não precisa mais ter dúvidas: existe, sim, presidente Lula, um caos no sistema aéreo nacional, e todos têm culpa. Apontar a chuva ou o desenvolvimento do país como responsáveis pelos apagões aéreos é cinismo. Lula queria dia e hora para a solução, e reformar o aeroporto de Congonhas na pressa provou não resolver nada, muito pelo contrário.

A pista do aeroporto mais movimentado do país, engolida pela capital paulista, foi maquiada com asfalto novo e uma drenagem insuficiente, como a TV Bandeirantes informou poucos momentos após o acidente com o Airbus da TAM, ontem à noite. Como se não bastassem as balas perdidas, agora os moradores das imediações dos aeroportos correm o risco de serem atingidos por aviões perdidos. Quantas mortes serão ainda necessárias para acabar o faz-de-conta?


(foto: www.br.noticias.yahoo.com, Agência Estado)

9.7.07

Mittjahr

“Mudaram as estações
Nada mudou
Mas eu sei que alguma coisa aconteceu
Está tudo assim tão diferente...”


... e foi ao meio-dia da segunda passada. Foi quando o tempo, alcançando a cumeeira de 2007, não viu caminho senão descer de novo, rumo ao ano que vem. Mero símbolo, num ponto mediano entre outros dois, não menos arbitrários, criados para marcar nossa existência e, quem sabe, reanimar algumas esperanças. Sim, segunda-feira, 2 de julho, ao meio-dia, foi o meio do ano. Conceito impreciso, que só o mais preciso dos idiomas, o alemão, para forjá-lo numa só palavra – Mittjahr – e só os elfos da Terra-Média para tê-lo no calendário, graças a seu pai, Tolkien.

Do alto dessa cumeeira, os dois lados dessa montanha de tempo me parecem muito diferentes. De tudo que 2007 propôs, como são os dias agora? Após décadas, meus pais, deixando uma casa que representa metade de suas vidas, em nome de mais conforto e segurança. Tantos amigos aperfeiçoando-se, conhecendo lugares, produzindo ou adquirindo conhecimentos. Outra amiga, que não se diz capaz de mudar uma situação insustentável, mas que, aos poucos, prepara o vôo para a liberdade. Enquanto isso, em outros ares, nuvens regam fora de época um belo jardim de gardênias.

Visto de perto, entretanto, o tempo nem parece deixar rastro, eis que mal se percebe quando os vales luxuriantes se tornaram a vegetação rasteira do cume. Viradas na vida parecem acontecer só com os outros. Quantos planos foram realizados – ou as “resoluções do Ano Novo” eram um eufemismo para “vou empurrar com a barriga para o ano que vem”? Alguma atitude foi tomada, algum comportamento deixado de lado? O que sei hoje que já não soubesse em dezembro passado? Nem meu ventre roliço me poupa. Olho para ele e pergunto: o que afinal os egoístas vêem no próprio umbigo?

Já vivi meios do ano incríveis. Foi num 2 de julho que saí de casa para morar sozinho... Mas alguém fala do Mittjahr com alegria? Ninguém lembra que o ano já passou da metade sem denunciar um ar de desalento. E, ironicamente, a cada virada, damos um pé na bunda do ano que acabou e lavamos as mãos das resoluções assumidas e não cumpridas. A culpada, talvez, seja nossa natureza insatisfeita, aquela mesma que joga tinta verde na grama do vizinho. Que seria melhor? Voar um pouco mais alto e ter uma visão mais distante e realista ou centrar-nos em nós mesmos, dando asas aos sonhos e assumindo o risco da frustração? Uma interessante questão para os (quase) seis meses que restam a 2007.