31.1.08
O mar
Credo, devo parecer presunçoso iniciando o texto assim, eu, que ainda não vi a terra desaparecer do meu campo de visão. Talvez por isso mesmo o mar exerça em mim tanta atração, assim como o tempo, a imagem e a palavra. Não há ano em que eu não busque um caminho que me permita vê-lo, ouvi-lo, senti-lo – e assim mesmo o mar ainda é apenas parte do meu imaginário.
O mar que concebo difere muito daquele que nos é dado pela vida moderna em um país tropical. Cerveja, esporte, sol a pino, sex appeal? É claro que o oceano mexe com minha essência, faz pensar em liberdade, em natureza, em amor – este próprio um anagrama para o título do texto. Porém, tanto a imagem que nos vendem de “Rio-quarenta-graus” quanto a realidade que encontramos – engarrafamentos, acidentes, poluição e praias lotadas e hiperurbanizadas – são um insulto ao local onde surgiu a vida.
Este Ismael ainda imagina um mar bucólico, crepuscular, para todas as estações, em frente ao qual os poetas possam encontrar inspiração, e os amantes, deixar navegar o pensamento com as velas da plenitude. Tão belo quanto perigoso, o mar azul e de águas tépidas dos pescadores de Caymmi é o mesmo das falésias britânicas e da bruma fria cantada por Macca em “Mull of Kintyre”.
Em vez de milhões esperando o ano novo em Copacabana em meio a um caos ocultado, vejo simples grupos de amigos, abraços e cabelos ao vento no aguardo do primeiro amanhecer. Em vez do triste paredão que rouba o pôr-do-sol em Balneário Camboriú, pequenas e acolhedoras casas, com seus avarandados dando passagem à agradável brisa com que o mar nos presenteia.
É assim que eu o imagino. Deixemos longe o barulho de carros, lanchas e jet skis e, enquanto não for possível a viagem já prometida, para, como Ismael, realmente conhecer o mar, sejamos apenas os namorados, pés tocando a areia, a ouvir, a cada quebrar das ondas, o oceano dizer o seu próprio nome: mar... mar... mar...
29.1.08
Entre o rosa e o branco
Chega de textos bregas. Chega, na falta de outras, de palavras excessivamente doces, como aquelas guloseimas feito plástico cor-de-rosa que os shoppings vendem a granel. As palavras não são itens de confeitaria, mas frutos, cujo sabor deveria variar conforme o paladar que os colhe. Quero que elas digam a beleza que tiverem, nada mais.
Já falei sobre o vento, o outono, a chuva... Às vezes eu me sinto um mero adicionador de glicose às intempéries, tão monocórdio como o entediado Bill Murray de “O feitiço do tempo”. Dias iguais, palavras iguais. Que ironia! Tal e qual Ferdibrand, o enviado especial a Punxsutawney, Pennsylvania, era um jornalista oferecendo seu reino por uma palavra que fizesse a diferença.
E chega de justificativas. Estou sempre “voltando” para meus cinco ou seis leitores, se os tiver. Ausência de inspiração é uma coisa, falta de disciplina é outra. No ano que acabou, deixei pela metade uma dezena de textos, como aquele sobre o desabamento da obra do metrô em São Paulo. Inútil requentá-lo, o tema já fez até aniversário. Falando em aniversários, em julho de 2007 aconteceu o centenário de Frida Kahlo e nem aproveitei o fato de que uma amiga esteve no México na época das comemorações. Meu blog poderia ter uma correspondente internacional, mas que justificativa há para a falta de determinação na hora certa?
Sim, chega de férias para o blogueiro. Não que eu vá escrever todos os dias, mas tenho feito chover pouco neste campo, bem menos do que eu queria. Um por cento de inspiração e noventa e nove de transpiração? Nem tanto, mas, enquanto eu oscilar apenas entre o rosa de palavras adocicadas e o branco de folhas não escritas, a grama do blog vizinho sempre parecerá mais verde.
14.1.08
Ano novo
* * * * * *
Assim que Papai Noel sai de cena, todo 25 de dezembro, e enquanto nosso país globelezado não se torna a própria Marquês de Sapucaí, aquecemos tamborins e quadris com a alegria exagerada da virada do ano. Nada contra a festa, a confraternização, os fogos de artifício, mas o ano que acaba e o que chega são tratados de forma desproporcional.
A catarse da transição enseja muitas vezes que o “adeus, ano velho” manifeste junto um destrutivo “já vai tarde”. No final de 2005, por exemplo, a loja de moda jovem Gang forrou as ruas em cidades gaúchas e catarinenses com outdoors dizendo, em letras garrafais, “Fuck you 2005”. Além de anti-educativa e grosseira, tanto que chegou a ser retirada pela Justiça em Santa Catarina, a campanha queria demonstrar um sentimento que, acredito, não é verdadeiro.
Algumas vezes, preferiríamos legitimamente que certo ano ou certa época da vida não tivesse existido. Acidentes, mortes em família, fracassos, desamores – todos deixam marcas profundas. O tempo, contudo, costuma cicatrizar as feridas, e a época de infortúnio pode, sim, ser relembrada não somente pelo trauma, mas pelo aprendizado: como enfrentamos aquele período, por que ele aconteceu, o que é possível fazer para que se repita.
Por isso, que me perdoem aqueles para os quais o ano velho não valeu um só de seus 365 dias; se nem tudo serão alegrias em 2008, tampouco 2007 foi uma tristeza só. Apesar de meus ceticismos, no fundo sou otimista. A felicidade, se representada num gráfico, não é uma linha contínua no tempo, afinal não somos princesas de conto de fadas; antes, ela é uma sucessão de pontos criados pela intersecção entre a linha da vida e os fatos felizes que vivemos – ou a forma como os interpretamos. Quanto mais intersecções, mais contínua essa linha, e mais teremos desse misterioso e aparentemente inatingível sentimento chamado felicidade.
Portanto, feliz 2008!