22.5.08

No fim do Brasil

Locais distantes e isolados sempre me fascinaram. Na impossibilidade de conhecer algum desses lugares nas férias deste ano, voltei a Santa Vitória do Palmar, que ainda guarda uma sensação de cidade longe de tudo. Se, indo para o sul, o Rio Grande é o último estado do Brasil, Santa Vitória é a penúltima cidade, pois mais 20km e se chega ao Chuí, extremo sul do país.

Para se ter uma idéia desse isolamento, Santa Vitória fica confinada numa longa faixa de terra (aquela “pontinha” na parte de baixo do mapa gaúcho) entre a lagoa Mirim e o oceano Atlântico. Um gigantesco terreno alagadiço, dividido entre a Estação Ecológica do Taim, arrozais e campo a perder de vista. O tratado de Santo Ildefonso, entre Portugal e Espanha, em 1777, chamou essa região deserta de “Campos Neutrais”, pois, naquela “terra de ninguém”, nem portugueses nem espanhóis poderiam alojar tropas.

Ainda hoje, duzentos sonolentos quilômetros de estrada reta, sem nenhuma cidade à vista, são o único caminho para Santa Vitória, cidade de 30 mil habitantes onde poucas coisas acontecem e o prédio mais alto tem três pisos. Junto com Chuí, foi a última cidade do Brasil a ser ligada ao sistema nacional de energia elétrica: há até dez anos, a luz ainda era produzida por um gerador a óleo.

A cada vez que vou a Santa Vitória, gosto de ir à barra do arroio Chuí, na fronteira com o Uruguai, voltar-me para o norte e imaginar-me tendo à minha frente o Brasil inteiro. Mas não existe ali nenhuma placa indicando nosso ponto mais meridional e, neste ano, embestei de procurá-la. Convenhamos, os quatro pontos extremos de um país continental merecem um marco geográfico que os indique. Procurei informações turísticas em Santa Vitória e no Chuí, mas a funcionária que me atendeu nem sabia o que era um marco geográfico, imagine saber se existia um.

Foi uma tia de minha mulher que me deu certeza: havia um marco, e era possível vê-lo na estrada, entre o Chuí e a Barra do Chuí, que eu já havia percorrido várias vezes. De fato, um quilômetro depois da cidade do Chuí, meio escondido pela vegetação, lá estava o marco de pedra, numa curva do arroio, mas como chegar lá? Os brasileiros a quem perguntei não souberam me dizer. Ironicamente, um uruguaio é que me deu a informação correta; ele conhecia melhor que meus compatriotas aquelas ruas ainda em solo brasileiro.

Coerentemente com tamanho descaso com nossa geografia e nosso turismo, as placas indicativas que um dia existiram nas quatro faces do marco haviam desaparecido. Via-se apenas uma placa, mais recente, alusiva a uma cavalgada de norte a sul do país, feita em 2005. E na base do marco, talhados na pedra, os nomes “Brasil”, de um lado, e “Uruguay” do outro. Virei-me de novo para o norte, como de hábito: eis o Brasil! Fotos de um e do outro lado, e, apesar de nenhuma placa que me confirmasse, dei como cumprida a missão.

Mas o Google Earth iria me desmentir. O verdadeiro ponto mais meridional do Brasil não é nem aquele marco nem a Barra do Chuí, mas outra curva do arroio, cerca de 1km antes de desaguar no Atlântico. E bem ali, no meio da água, está o marco que eu procurava. Outra ironia: em tempos de Internet, teria encontrado o extremo sul do país sem sair de casa, não in loco, após 500km de viagem. Contudo, nada substitui a sensação de estar lá. E a descoberta do verdadeiro marco é, na verdade, um convite para voltar, mais uma vez, ao fim do Brasil.