29.11.11

Still his guitar gently weeps

Passavam poucos minutos da meia-noite de ontem quando o André Grassi, colega de faculdade, turma de formandos e peripécias, incluindo um programa de rádio, uma animação em super-8 e uma pretensa banda inspirada nos Beatles, publicava em meu Facebook e no de uma porção de amigos nossos uma foto de George Harrison. A imagem, que para alguns já dizia tudo, foi complementada pela legenda: “Já faz 10 anos...”.

Porque ontem, 29 de novembro de 2011, completou dez anos a morte de George, o “beatle tímido”. Apesar da predominante dicotomia Lennon/McCartney nos “Fab Four”, o guitarra solo da banda fez por merecer também um lugar entre os gênios da música. Quando fui apresentado à discografia dos Beatles por um colega do então Segundo Grau, descobri, simultaneamente, “All things must pass”, o primeiro álbum triplo da história do rock, resultado do represamento da genialidade de George Harrison durante os anos como beatle. Dessa maneira, conheci minha banda favorita ciente desse talento mal aproveitado de seu guitarrista, oculto em sua timidez à sombra dos mais prolíficos e falantes John Lennon e Paul McCartney.

Em outras palavras, aprendi a gostar das canções de todos eles em pé de igualdade – apesar de, em nossa pretensa banda, eu ter me tornado Paul McCartney, uma vez que George sempre foi o beatle favorito do Leandro Steiw. Assim, algumas composições de George ganharam valor especial. A começar pela genial “While my guitar gently weeps”, do “White Album”, que tocamos e cantamos entrando de surpresa na casa do Leandro no dia de seu aniversário. Tenho ainda um carinho particular por “Revolver”, álbum dos Beatles de 1966, por ter indicado que uma importantíssima transição terminava, deixando a beatlemania no passado, e por ser o único com três músicas de George (“Taxman”, “Love you too” e “I want to tell you”). Talvez por isso ele seja tão bom.

Costumo dizer que os Beatles estavam gravando “Within you without you”, que George compôs para “Sgt. Peppers”, no momento em que eu nasci – eles entraram no estúdio para o primeiro take na véspera do meu nascimento. E o que falar de “Here comes the sun” (a melodia favorita de George) e “Something”? O último álbum dos Beatles foi justo aquele em que as duas músicas que ficaram para a eternidade foram compostas por Harrison, provando que o terceiro gênio da banda não havia sido devidamente reconhecido. Foram apenas 26 as músicas de George nos tempos de Beatles. Menos era mais.

Não conheço até hoje todo o trabalho de George pós-Beatles. Mas o álbum triplo valeu uma pesquisa musical para nosso programa na Rádio da Ufrgs, e canções como “Isn’t it a pity”, que termina com um refrão interminável, feito um mantra de tristeza, ainda me emocionam. Tanto que chorei quando a assisti pela primeira vez, cantada por Billy Preston, no “Concert for George”. O mesmo já aconteceu ao prestar atenção na letra de “Rising sun”, do álbum póstumo, “Brainwashed”:

And in the rising sun you can feel your life begin
Universe at play inside you DNA
You’re a billion years old today
Oh the rising sun and the place it’s coming from
Is inside of you, now your payment’s overdue
Oh the rising sun.

O que me tranquilizou quando soube da morte de George foi saber que, desde o diagnóstico de câncer, ele estava em paz, satisfeito com a vida que havia levado. Apesar de sua conhecida espiritualidade estar exacerbada no último disco, George parece ter trabalhado nele como se depois dele pudesse haver outros. O “beatle tímido”, calado nas entrevistas e com olhar sério e até parecendo amargo às vezes, como na discussão que teve com McCartney frente às câmeras no vídeo “Let it be”, era talvez o mais realista e centrado dos Beatles, discreto, fleumático como inglês que era, e dono de um senso de humor só dele. Voltava em paz para o universo, do qual sempre fizera parte inseparável, e deixara em troca sua guitarra, que continuará para sempre tocando gentilmente.