12.10.06

Há tempos

Meu herói não morreu de overdose. Levado pela Aids, suas cinzas foram espalhadas em um campo de flores...

Isso foi há dez anos, completados ontem.

Exagero chamá-lo de herói; Renato Russo não queria ser exemplo, modelo ou líder para ninguém. Ele apenas queria fazer música. Discreto na vida pessoal, ele expunha nas canções seus problemas, suas preocupações. O tempo, o amor, a juventude, a política, a hipocrisia. E a música que Russo fez, à frente da Legião Urbana, causou controvérsia. O jornalista Adroaldo Streck, por exemplo, via em “Minha papoula da Índia/ Minha flor da Tailândia/ És o que tenho de suave” uma apologia das drogas.

Até para alguns de seus próprios fãs, o verdadeiro talento de Renato Russo ficou nos três ou quatro primeiros discos da Legião. De fato, o estado depressivo do compositor passou a predominar sobre a capacidade criativa, e, após o álbum “V”, ele começou a se tornar repetitivo.

Mas é fato que Russo foi um referencial na cultura pop nacional em uma década que, em outros setores, foi considerada perdida. Tanto que, mesmo após sua morte, ele continuou sendo descoberto pelos adolescentes, a geração para a qual ele geralmente falava – e a discografia da Legião Urbana continuou no catálogo.

Exagero chamá-lo de herói. Contudo, todos nós buscamos, especialmente na época da afirmação do caráter, alguém que ajude a expressar nossos sentimentos, alguém que nos ajude a encontrar nossa própria identidade. Para mim, em tempos de colégio e de faculdade, a Legião era a música das festas, a descoberta de amigos pela comunhão de idéias, um show inesquecível que a banda fez para 17 mil pessoas no Gigantinho...

Por trás da denúncia das canções bate-estaca da primeira fase da Legião, estava um artista para quem “é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”. Apesar de ver a esperança dispersa, ainda acreditava que “o que vem é perfeição”. Prevendo a vida curta que teria, a pressa de viver e de dizer é que fez com que o tempo de Renato Russo não tivesse sido um tempo perdido.


Foto: http://www.virgula.com.br/musica/fotos/f6625.jpg

9.10.06

Palavra contida

Talvez nem saiba a sorte desmedida
Que eu vi trazeres pela tua mão
Talvez nem sinta o doce olor da vida
Que eu vi soprares rumo ao coração.

O teu olhar parece que não vejo
Gritando o que nem pede um sussurrar.
Palavra, o teu som é um ensejo
Que o sonho teima, não quer enxergar.

A tez do sentimento se arrepia
Ao toque aconchegante desta voz.
Por que, então, um'alma silencia
E impede que eu e eu se tornem nós?

Perguntas tantas o teu peito trouxe
Que a tímida resposta se contém
Por trás deste silêncio a alma é doce
Amargo é parecer o amor desdém.

3.10.06

Reflexões sobre uma eleição

I

Ao final de tudo, não votei no candidato “Anula Lá”, do qual fiz propaganda algumas vezes. Não que eu tivesse encontrado candidatos a quem eu confiaria a guarda de minha casa, como disse o presidente do TSE, Marco Aurélio Mello, na televisão. O fato é que, apesar da argumentação ultrapassada, lembrando um romântico Lula pré-1989, mas sem metade da habilidade, Heloísa Helena me parece mais autêntica. E, para o governo do Estado, não havia chance de comparação entre Olívio Dutra e um hipotético segundo turno entre Yeda Crusius e Germano Rigotto.

Também é fato que estamos nas mãos da legislação, que ignora na contagem final os votos brancos e nulos – ou seja, não permite a abstenção como forma de protesto. Somos obrigados a votar, não no candidato melhor, mas no menos pior. Afinal, discordo de Cristovam Buarque quando disse que o brasileiro não é corrupto por natureza. É sim, senador, essa é a cultura em que vivemos: todos, podendo, querem tirar sua casquinha. E, ironicamente, esse é um dos motivos pelos quais não anulei meu voto. Mas que deu uma vontade grande, isso deu.

II

Ouvi um pedaço da primeira entrevista que Olívio Dutra concedeu como candidato a governador no segundo turno. Votei nele por simpatia, pelo histórico de honestidade e por falta de melhores nomes, mas o discurso de Olívio está cada vez mais cansativo e vazio. Entendo perfeitamente e concordo com ele quando diz que o Estado é um espaço de construção da cidadania ou cita o protagonismo do povo como orientador de sua política. Mas que significado têm essas palavras para o cidadão comum, o operário, o trabalhador informal?

Esse discurso, que já vem dos tempos da eleição à Prefeitura de Porto Alegre (1988), é tão vago quanto o de tantos desconhecidos candidatos a deputado federal que traziam como principal proposta a mudança no Congresso. Olívio tem tido sorte, ainda mais numa campanha sem ímpeto como a deste ano, ao transformar palavras imprecisas, como dialogar com as pessoas de bem e resgatar a democracia, em votos. Mas haja sorte! Unir as forças do campo democrático, espraiar o número de votos e vencer Yeda no segundo turno não será nada fácil.

III

José Roberto Arruda, deputado “pianista” envolvido no caso da violação do painel eletrônico da Câmara e que havia renunciado ao mandato, elegeu-se governador do Distrito Federal no primeiro turno. Fernando Collor de Mello, quem diria, foi eleito senador das Alagoas pelo PRTB. Outros nomes? Antonio Palocci, Paulo Maluf... E eu que pensava que tinha a memória fraca.

IV

Cada eleição é decidida por determinadas atitudes do eleitorado, que podem confirmar ou desmentir tendências. Um fenômeno o desencanto com Lula que captei aqui e ali: alguns eleitores realmente achavam que ele seria um “salvador da pátria”. Bem, o partido do vice de Lula, em 2002, já desmentia essa tese. Confiar em Lula, desapontar-se e, como punição, votar em Geraldo Alckmin é prova da volatilidade da consciência política do brasileiro.

Mas nada se comentou mais, em Porto Alegre, do que a migração de votos de Germano Rigotto para Yeda Crusius. Levando em conta a pesquisa do jornal Correio do Povo publicada no dia 29 de setembro, Rigotto perdeu, nos três dias até a eleição, exatos 296.131 votos, ou seja, quase 100 mil votos por dia. Se o eleitorado do governador Rigotto queria impedir um segundo turno entre ele e Olívio, conseguiu.