
“Se fazer cinema é loucura, fazer animação é cretinice.”
A frase, escrita a giz nas costas de um quadro-negro já vão dezesseis anos, ainda está lá, conservada pela superfície áspera que a recebeu. O tom debochado da frase também é uma ironia, já que serviu de “moral da história” para um filme de animação no qual tomei parte. Nessa empreitada também estavam André Grassi e Leandro Steiw, então colegas de Jornalismo e grandes amigos meus até hoje. Essa foi minha primeira experiência com cinema... uma “brincadeira” em super-8 que custou longas tardes desenhando bonequinhos e cenários sobre papel vegetal e fotografando-os quadro a quadro, mais uns seis meses esperando que os rolos voltassem da França, pois no Brasil nenhum laboratório mais fazia a revelação da bitola.
Fazer cinema, então, não é uma loucura?
Talvez não a loucura dos que perderam a razão, e sim a razão de ser de alguns tidos como loucos. Cinema é um empreendimento complicado, demorado, de risco – e ainda caro, mesmo com a diminuição de custos pela tecnologia digital. Os telefones celulares acenam de novo com a possibilidade de se fazer cinema com uma câmera na mão e uma idéia na cabeça, mas, quanto mais público quisermos para o filme, maior a estrutura necessária. Filme feito em celular não leva Oscar, Palma de Ouro ou Kikito. Pelo menos por enquanto.
Apesar disso tudo, o lado aparentemente desarrazoado dessa loucura parece indispensável na carreira de um diretor. Cinema também é criatividade, improviso, maleabilidade. Cineasta tem que ser meio McGyver. Se ele esperar uma grua ou um dolly à disposição para começar, talvez não comece nunca. Houvesse muita ponderação ou “crises de realidade” e eu não teria escrito, filmado e apresentado publicamente, quinta-feira passada, “Café cortado”, meu primeiro curta-metragem.
Digo eu, mas o mérito é de cada participante dessa experiência de fazer cinema. Se por um lado dispusemos de profissionais na fotografia, na edição e em cena, além de uma boa câmera e bons programas de edição, por outro foi necessário pensar no filme como um fim e não como um meio, improvisar o tempo todo e, acima de tudo, aprender fazendo e errando. Se cinema já é uma pressão, imagine saber que só haverá uma oportunidade para usar a locação. Na hora algumas soluções aparecem, como um extensor de vassoura para servir de haste para o microfone boom – ou papel vegetal forrando o balcão de vidro para eliminar reflexos. Mas alguns erros são descobertos apenas na edição, quando já é tarde demais.
Quinze meses produzindo um filme de três minutos e meio. O que se ganhou com essa loucura? Fama, dinheiro? Não, vontade de fazer mais. De consertar os erros, de mostrar que se aprendeu alguma coisa e de, a cada produção, romper uma nova barreira. Cinema é um esporte radical. Está para as fotos de férias como o surfe está para a planonda. O desafio que ele faz à nossa liberdade é irresistível.
Posso não conseguir filmar as idéias que tenho para roteiros, posso, ainda, encarar o ação e o corta como mero hobby. Entretanto, não era o que sentia tendo ao meu lado, quinta-feira passada, a equipe do “Café cortado”, o brilho nos olhos de cada um apenas dizendo “nós conseguimos”. Apenas um pequeno passo, mas o primeiro, como o de toda viagem. Uma louca e, para os que amam o cinema, indispensável primeira viagem.
(Na foto: Lúcia Azevedo [diretora de produção], Nádia Prestes [editora], Cláudia Elisabeth Ramos [assistente de direção], Patricia Suri [atriz], Tito Ravaglia [ator], Fernando Telles [desenhista de produção] e Renato Wolff [diretor]. Foto: André Grassi)