15.10.09

Recinemizar


Pelo domo de vidro, vê-se o sonho de Vincent Freeman. Num futuro não muito distante, um voo quase corriqueiro rumo a Titã, lua de Saturno. Não para os olhos que o veem, impedidos de nascença, pelo próprio DNA, de ser algo muito mais do que os olhos de um faxineiro. Pois esses, os olhos de Vincent Freeman, veem mais longe e farão o que for necessário para driblar o próprio código genético e encontrar as estrelas.

O domo de vidro, arquitetura de Frank Lloyd Wright, foi emprestado à empresa Gattaca, corporação científica que batizou o filme de estreia do neozelandês Andrew Niccol, em 1997, no qual Ethan Hawke encarnou Vincent Freeman. Milhões de fotogramas dos filmes que já vi, e minha mente se ocupou em lembrar este insistentemente nos últimos dias. Pelo filme, pelas atuações? Pela história, eu sempre fã de distopias? Ou pela ambientação, que valeu uma indicação ao Oscar de Direção de Arte?

Não, o que me levou ao fotograma foi o mesmo foguete que conduzia os astronautas a Titã. E uma palavra: recinemizar. Voltar a viver o lado cinema da vida, e não estou falando apenas da sétima arte, de voltar a ir ao cinema após seis meses sem ver o apagar de luzes. Estou falando de acordar e acreditar no que se sonhou. Não importa por que Vincent quer partir, importa apenas que ele quer partir.

Assim como a faxina que Vincent fazia em Gattaca, meus carimbos nos processos são meu ganha-pão, mas não carimbam passaporte para lugar algum. Eles não dizem nada, não têm emoções como palavras ou imagens, não fazem nada por mim. Ou bem menos que algumas horas frente ao monitor na cada vez mais árdua tarefa cerebral de cavar e remexer ideias, sentimentos e informações e empilhá-los de forma razoável em um texto. Sim, os neurônios também têm músculos, e eles cansam, perdem a força.

Mas, para poder exercitá-los novamente, é preciso que o que faz sentido deixe de fazer sentido. É preciso fazer um barco atravessar uma colina em plena floresta amazônica; é preciso testemunhar um crime pela janela de casa e não poder fazer nada devido a uma perna quebrada; é preciso tomar banho na Fontana di Trevi com Anita Ekberg; é preciso cantar alegremente para Brian que veja a vida por seu lado brilhante, mesmo que se esteja pregado a uma cruz. Bem-vindo ao Clube da Luta!

Por isso, quando ontem, no primeiro encontro de uma oficina de roteiro, soube que assistiria a “Gattaca”, percebi-me novamente a caminho de Titã. O domo não é a separação entre mim e o sonho, e sim um post-it que um arquiteto lendário desenhou em vidro unicamente para não me deixar esquecer o sonho. Os planetas estão de novo em conjunção, é hora de recinemizar.

Em tempo: Vincent Freeman, do sânscrito e do inglês, significa homem livre vencedor.

* * * *
Foto:
http://www.vfxhq.com/1997/gattaca.html

2 comentários:

Luazem disse...

Amado, Renato!!

Nada na vida é por acaso...
Acredito fielmente nesse pensamento.
Porque será?
Não é toa, que esteja fazendo um curso de roteiro, onde bem sei, o ato de escrever é o teu maior exercício de vida, mesmo quando se perde a força, está desanimado ou quando achas que não tem inspiração.
Mas de repente, a vontade prevalece, os questionamentos vem com mais força, tudo isso porque temos dentro de nós, a "sede" de algo novo.
Não começa por algo complicado, não começa pelos outros, não começa na obrigação de fazer por que tem fazer, mas por um ponto, uma partida que está lá no íntimo de cada pessoa, dentro da essência, que nos impulsiona a fazer, recomeçar.
Adorei o texto, adorei o título.


PS: Não assisti esse filme, já está na minha listinha de filmes para assistir.hahahah

beijooo no coração!!

Cezar Oliveira disse...

Recinemizar? Fantástico o texto e o termo! Mãos à obra...abraço...