11.9.10

A fábrica da liberdade e os onzes de setembro


Mais um ano e o 11 de setembro – pelo menos o 11 de setembro que os jornais ainda recordam – completa uma década. Para variar, a data foi cercada de polêmicas, envolvendo a queima de Alcorões e a proibição de instalação de uma mesquita próximo ao local onde ficava o World Trade Center. Mas afinal, os Estados Unidos não são a terra, a fábrica da liberdade?

Ah, a liberdade. As discussões políticas e as relações com pessoas ditas “libertárias” e “democráticas” trouxeram-me desencanto com essa palavra. A liberdade cada vez mais me parece um bem finito, como a quantidade de energia, a água e o oxigênio, e que não pode ser fabricado. Para que alguém a obtenha além de certo limite, de outro ela precisa ser tirada. Assim, é permitido ser muçulmano em Nova York; mas rezar para a Meca perto do Ponto Zero, não. É-se livre para entrar nos Estados Unidos; mas quem levar xampu na bolsa corre o sério risco de ser confundido com um terrorista da Al-Qaeda de carteirinha.

Então, repito, os Estados Unidos são a terra da liberdade? São a terra do medo, do dinheiro, do desperdício, mas são também a terra dos donos da liberdade, daqueles que estipulam quem tem a liberdade de fazer o quê. Inclusive a liberdade de contar a história. Tanto que 11 de setembro tornou-se, para as Torres Gêmeas, o que as Havaianas passaram a ser para o chinelo de dedo. Poucos lembram o 11 de setembro de 1973, data do golpe de estado, no Chile, comandado por Augusto Pinochet, que culminou com a morte do presidente socialista Salvador Allende e o início de dezessete anos de ditadura. Por que ninguém mais lembra esse 11 de setembro? Será porque o golpe de estado foi ordenado pelo governo dos Estados Unidos, sob pena de invasão norte-americana? Ainda estou na dúvida. O então presidente Gerald Ford, na ocasião, afirmou que os fatos ocorridos no Chile foram “no melhor dos interesses do povo chileno e, certamente, nos nossos melhores interesses”. Obrigado, senhor presidente, por ter nos dado a liberdade de sabê-lo.

Por isso o estardalhaço do 11 de setembro (agora falo do 11 de setembro verdadeiro, aquele ocorrido em Nova York) nunca me desceu direito. Não fiquei muito tempo nas linhas dos que defendiam a idéia de um atentado perpretado pelo próprio governo norte-americano, mas não tenho dúvidas de que a derrubada do World Trade Center era tudo de que George W. Bush precisava para levar adiante seus planos de governo, incluindo um kit de reeleição totalmente grátis. Quem assistiu ao filme “Fahrenheit 11 de Setembro”, de Michael Moore, viu a cena em que Bush recebeu de um assessor a notícia dos atentados; tal era a naturalidade do presidente que parecia ter ouvido do funcionário: “Senhor, a operação deu certo”.

E não deixo de lamentar as vidas humanas perdidas, mas sempre achei o atentado às Torres Gêmeas, em termos de ousadia, organização e precisão, um ato de gênio. É muito mais difícil acertar um jato comercial contra um edifício específico do que jogar uma bomba atômica sobre uma cidade japonesa. E menos covarde, pois os integrantes da Al-Qaeda que ocuparam os aviões usados nos atentados não puderam retornar à base.

Volto, então, à liberdade de se contar a história. Os muçulmanos que planejaram e realizaram os ataques de 11 de setembro de 2001, liderados por Osama Bin Laden, foram considerados terroristas e caçados mundo afora, justificando a invasão do Afeganistão e do Iraque. Por que, então, as bombas jogadas sobre Hiroshima e Nagasaki em 1945, por ordem do presidente dos EUA Harry Truman, não são consideradas um genocídio, que dirá um atentado? Uma desproporção. Nos ataques em solo norte-americano, morreram 2.993 pessoas, incluindo os 19 ditos terroristas – e a muitos foi dada a chance de fugir. Essa oportunidade não existiu para as 220 mil pessoas que foram evaporadas em segundos em Hiroshima e Nagasaki – às quais se somaram, com o passar dos anos, milhares de vítimas da radiação atômica.

É o medo de que algo semelhante aconteça em alguma cidade norte-americana que quer proibir o Irã de enriquecer urânio. Somente os Estados Unidos e seus amigos de confiança têm a permissão de efetuar destruições em massa. Qualquer outro, por menor que seja a suspeita, é, como foi visto no Iraque, em 2003, invadido, destruído e expropriado da liberdade de controlar seu bem natural mais valioso – no caso, o petróleo.

O que pensar, diante de tantos ataques à liberdade, à verdade? Que o ideal seria a inexistência de preconceitos, de medos, de ódios – e que os Estados Unidos deixassem de se considerar as maiores vítimas da história. Se existe exagero e intolerância nas idéias de ambas as culturas, a muçulmana e a judaico-cristã, existe também uma desproporção brutal de forças e de reações. Assim como a liberdade que os governos norte-americanos querem apregoar, a paciência e a ignorância do ser humano são bens limitados.

2 comentários:

Kelva Cristina Saraiva disse...

Olha, Ferdibrand, acho que tu usaste muito bem a liberdade que tens aqui na internet. Liberdade virtual, eu sei. Virtual em que sentido mesmo? Mas, bom, liberdade de pensar (reflexivamente).

Me pergunto várias vezes por ano - ano após ano - por que nenhum país pode comprar armas pesadas de guerra, mas os Estados Unidos podem fabricar à vontade. E, pasme, vender à vontade! Agora, vender pra quem? Heim? Quem será que compra tanta arma? Talvez os países que não podem...

Essa condição de protetor da parte da humanidade que lhes interessa tá cansando, sabe?
Tu sabes que eles não permitem mais transmissões ao vivo? Pode ser ao vivo, mas tem de atrasar por alguns segundos a imagem. Sabe desde quando? Desde que a Janet Jackson mostrou o seio numa apresentação para uma liga de jogo lá. Engraçada essa permissão, né?

Também me incomoda por demais todas as pessoas que morreram na invasão dos Estados Unidos ao Iraque, ao Afeganistão e a outros países árabes. Os pilotos jogavam bombas em hospitais e escolas. Isso aconteceu mais de uma vez. E olha, que engraçado, ninguém virou vilão! Claro, os vilões estavam lá embaixo - crianças e professoras saindo da escola? Doentes, enfermeiras e médicos saindo do hospital?

Sabe, é ridículo. Somos ridículos.
Mas tá vindo aí a China...É, a China vem pra dar um chute na bunda dos norte-americanos. Tenho certeza que vai ser também péssimo ter a China equilibrando a balança do poder. Mas saber que em alguns anos os Estados Unidos não vão mais, simplesmente, eleger os inimigos da humanidade, isso me deixa interessada.

Não sou anti-Estados Unidos. Mas sou anti-políticas internacionais norte-americanas. Atualmente estudo muitas coisas, fatos, falas, pensadores que rasgam telas bem pintadas para que quem quer ache lindas as paisagens. Digo quem quer porque hoje só engole sem saber o que come, quem quer. Todos podemos fuçar, discutir, duvidar, refletir. Pensar. Mas pensar assim não é pra todo mundo.


Um beijo e aproveite a liberdade enquanto ainda pode. Sabe lá o que será feito no Brasil nos próximos anos. (Isso é outro assunto pra tua pauta).

Kelva Cristina

Kelva Cristina Saraiva disse...
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