18.7.06

Não sou deste mundo

Olho para um rosto sereno e silencioso, mas ele não me é indiferente. Algo nele me perturba, como se no fundo me questionasse quem, afinal, eu sou - e afasta o meu olhar. Quando tiver a coragem de olhar, como fazia Oscar Wilde, diretamente para as pupilas, perceberei por que aquele rosto me perturba. Estarei olhando para alguém como eu, que não faço parte deste mundo.

Quantos rostos impassíveis não ocultam de fato um coração que sangra? Quantas felicidades exuberantes na verdade dizem, por Deus, estou só, olhem para mim? Diria mais, quantas felicidades há?

Vejo no mundo que me deram um tamanho desequilíbrio que eu, terráqueo, não me sinto em casa. Os olhos sérios e já esgotados dos transeuntes. As esquinas frias, duras e cinzentas. O choramingar da mulher frente às moedas na caixa de sapatos. O menino que bate na mãe. A cultura falsificada que entope as ruas e os nascedouros de uma arte legítima. Os sonhos, as histórias e a sabedoria que a criança deixou de adquirir porque o governo garante aprovação na escola. Dinheiro, vantagem, poder, corrupção, mediocridade. O mundo padronizado pelas grandes corporações. O amor obrigado. Amor? Não, obrigado.

Esse jeito mediano e igual de pensar e agir me horroriza - pela liberdade que se deixa perder e pelo fato de eu não ser aceito se não pensar mediano também. As palavras têm sentidos miúdos e as almas são pequenas, já diria Fernando Pessoa... Que espaço haverá ainda para o olhar romântico, a cultura espontânea e verdadeira, a liberdade de expressão, o trabalho no lugar da preguiça, a justiça no lugar da vantagem, a filosofia em vez do fast-food, a poesia em vez da azia?

Então olho novamente para aquele rosto silencioso que não me era indiferente. Uma luz distinta e inexplicável naquele olhar me diz que ele chegou a ficar perturbado, também, em minha presença. Afinal, uma identidade que se deixou perceber.

Aqui e ali encontro pupilas assim, leais mas questionadoras, ambiciosas mas generosas, doces mas com um saboroso tempero picante. No fundo, somos todos nós almas sedentas de justiça, de liberdade, de paixão - mas diminuídas por este mundo mediano que não nos pergunta a cota necessária para a sobrevivência. É quando encontro esses olhos que vejo que nós, terráqueos de outro mundo, não estamos sós.

2 comentários:

Telejornalismo Fabico disse...

*


sabe o que parece triste?
é que somos todos iguais em busca da diferença.
mas ter noção disso já faz diferença.
pupilas dilatadas, meu velho.
e óculos escuros pra não queimar a retina.


*

Anônimo disse...

Like would say Nera Gatta, "sometimes It's hard to be in this world, to see that nothing is what it seems... This is the world we build, we can't complain, but we can change."
É impressionante a tua capacidade de brincar com as palavras, meu querido; tornando belo mesmo o que parece impossível: A descrição da mediocridade interna desse mundo.
É por isso que sou tua fã, sempre!
Beijos mil!

Mê.