19.2.06

Cuidar do tempo

Já ouvi dizer, certa vez, que a única coisa verdadeira é o passado. Frase pesada, ela tocou-me – não por eu concordar com ela, mas porque convidava a uma reflexão. A primeira idéia, mais óbvia, era: o que se poderia dizer, então, do momento presente? Uma inglória luta do tempo, que, segundo após segundo, torna-se inexoravelmente passado? Ou, se de nada mais valem o presente e o futuro, por que nos preocuparmos em fazer deles um passado digno?

O próprio soar da frase parece arrastar-se, como se fosse dita por um velho carrancudo, de barba hirsuta e montando guarda a um baú de segredos. O tempo encerrado em si mesmo, não apresentando alternativa futura. Nada mais estranho à nossa época, voltada a um presente e um futuro cheios de possibilidades e conquistas. O passado que fique no passado, pois o que está por vir é sempre melhor. Pelo menos é o que os comerciais de TV não cansam em nos dizer.

Aí reside o perigo de se olhar para o futuro sem cuidar o passado. Estamos criando, pela televisão, pela publicidade, pelos modismos, um mundo despreocupado com o que fazemos, pois o que não deu certo ficou para trás – como se o futuro fosse capaz de se arranjar sozinho. Esse mundo, em uma palavra: irresponsável.

Um mundo de protoempresários nas salas de aula, mestres na arte da sedução no pátio da escola e pequeninos tiranos dentro de casa, pois desconectados do mundo real, a começar pelo contato com pai e mãe. Um mundo em que quem não for um realizado executivo será um esportista sarado e cheio de amigos felizes ou um destacado advogado, defendendo alguma empresa da maldita indústria da reclamatória trabalhista. Um mundo em que a filosofia, as relações humanas e a preservação do ambiente são menos importantes que a cor da estação, as formas legais de burlar a lei e quem vai para o paredão do Big Brother.

A velocidade da transformação em nosso mundo também aumenta a velocidade de desconexão com o passado. Se, conforme o IBGE, metade da população brasileira tem menos de 25 anos e 85% vive nas cidades, quantos de nós conhecem o tempo em que as famílias ficavam conversando nas varandas à noite enquanto as crianças brincavam na rua? Ou o tempo em que o filho do vizinho entrava em casa pulando o muro, o tempo em que se podiam contar as estrelas no céu?

Não é à toa que o passado parece desinteressar. Ele não foi vivido para que se saiba o quanto ele era bom em determinados aspectos. Se dizer que a única coisa verdadeira é o passado nos desconecta com a realidade, menos não acontece se negarmos o passado, pois deixamos de ver o quanto este mundo poderia ser melhor se não nos importássemos apenas com o presente e o futuro.

Não neguemos a tecnologia, os novos estilos de vida, a eterna dinâmica da cultura, das línguas, das artes. Mas não deixemos de lado as coisas simples, o romantismo, a história, a música, o pensamento, o pôr-do-sol, o sorriso, o contar as estrelas. Fazemos parte do tempo, passado, presente e futuro; descuidar dele seria descuidar também de nós mesmos.

Um comentário:

Anônimo disse...

"O passado que fique no passado, pois o que está por vir é sempre melhor."

Frase interessante, de significado ambíguo...

De fato, nos é dito que devemos assim agir. E eu concordo, em parte, que isso muitas vezes se faz necessário. Entretanto, é inversamente necessário estar sempre com um "pé" no passado, para não permitir que a irresponsabilidade de atos futuros nos pegue de surpresa, ou nos derrube, fazendo nossos sentimentos e projetos irem de encontro ao solo.

O passado deve ficar sim, no passado... Mas não deve ser completamente esquecido...
É esta a lição?

Boa Fratello Caro!
Ti voglio molto bene!!!
Baci!!!


Tua Sorella