16.9.07

A vitória da democracia (sic)

Quando, em 1989, eu votei para presidente pela primeira vez, o termo “democracia” ainda fazia algum sentido. Finalmente, após vinte e cinco anos, ter o direito de escolher os governantes. Mas, depois de conquistada a democracia, essa palavra, de tão desrespeitada, tornou-se persona non grata em meu dicionário. Elle foi a primeira cria daquele antigo ideal, e isso foi apenas o começo.

Ao mesmo tempo, a vida adulta me amadurecia politicamente, e aos poucos eu descobria significados novos para palavras velhas. Democracia passou a significar intervenção, quando não ocupação, pelos EUA, de países do Terceiro Mundo; ou a defesa de interesses de uma classe ou nação sobre todos os outros. Roubo, corrupção, desfaçatez, fisiologismo, nepotismo – todos camuflados pelo azeitado discurso de políticos eleitos pelo voto popular.

Minha antiga palavra de ordem torturou-me de novo, dita, quarta-feira passada, por um sorridente senador que comemorava a manutenção de seu mandato: “O resultado da votação é uma vitória da democracia”, disse Renan Calheiros, absolvido por 40 de seus colegas das acusações de quebra de decoro parlamentar. Mas qual democracia? Quem do povo votou ou presenciou a votação, se até deputados federais precisaram de liminares na Justiça para poder entrar no plenário do Senado?

Antes mesmo de começar a democrática sessão secreta, entretanto, eu já sentia a indiferença quanto ao resultado. Vi nos jornais, na rua, faixas, passeatas, protestos contra a corrupção, contra Renan Calheiros. Mas o que mudaria se o resultado fosse outro? Sem querer defender o presidente do Senado, a perda do mandato serviria de exemplo aos outros políticos? Saúde, segurança, educação, distribuição de renda, respeito aos direitos da população seriam mais levados em conta? A CPMF acabaria? Duvido.

Em algumas coisas meu predominante otimismo teima em esbarrar, e a cultura, no Brasil, de um Estado a serviço das oligarquias, de um Estado teta para quem conseguir mamar, é uma delas. Por “vitória da democracia” devemos entender vitória do próprio Renan Calheiros, que, afinal, foi escolhido por todos nós para ser processado acima dos rigores da lei, fosse qual fosse seu crime; vitória dos 40 senadores que nele votaram, pois, segundo notícia publicada pelo Estadão, gratidão não deve faltar; vitória de Mônica Veloso, ex-amante do senador, que saltou para a fama e estará nas páginas de Playboy. Talvez, no futuro, tenha descoberto seu talento como atriz de novela ou apresentadora de TV.

Esses são os vitoriosos, essa é a democracia que venceu quarta-feira passada. Não a democracia como imaginei, ou como me foi ensinada, e que, se um dia existiu, foi modificada nos gabinetes enquanto era preparado o fim do regime militar. A democracia que vejo hoje em meu país não me serve.

2 comentários:

ninguém disse...

dói, né renato? é um aviltamento da palavra e do conceito.
mas neste domingo, pega as crias e sai pra rua e comemora a chegada da primavera. bj

Telejornalismo Fabico disse...

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renan acha que a democracia venceu.
os aliados dele também.
o termo democracia é tão elástico quanto borracha.
e ao envolver tudo e todos, cria frustrações enormes.






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