29.10.07

Um coração

O acaso não nos fez parentes ou amigos. Apenas lados opostos na rotina diária no foro. Mas, nas vezes em que o encontrei, nenhum dia pareceu lhe valer um sorriso, chamando minha atenção e a de quantos com quem falei. Preocupação, seriedade constante, um vago tédio. O que guarda um coração assim? Tristezas, rancores, amores? Uma frustração antiga, uma carreira mal escolhida? A juventude ainda lhe dava tempo para um recomeço se fosse o caso, pensei.

Mas não foi, soube esta semana. O coração dele parou de bater, levando junto o que nele estivesse guardado. Morte súbita aos 35 anos. Um rapaz. Triste e chocante notícia, apesar de conhecê-lo só de vista. Meus pais já viveram mais que duas dessas vidas. Eu, nessa idade, nem era pai, nem havia redescoberto o cinema. Há vidas que terminam antes de começar.

Mesmo desconhecendo a história dele, pergunto: o que fica? De que vale guardar frustrações, economizar sorrisos e acumular preocupações se é para tudo virar pó hoje ou amanhã? O que pensamos não acontecer acontece. E, pergunto de novo, o que fica? Uma lição para os sobreviventes, quem sabe. De que, se é inevitável na vida um pouco de fel, que este não predomine. Se a vida é apenas uma expectativa, o amanhã não passa de possibilidade, e melhor seria se jogássemos o rancor, a amargura, a dúvida às nossas costas, em vez de deixá-los à nossa frente, esperando que caiamos num buraco por nós mesmos cavado.

2 comentários:

Katia K. disse...

Que triste!

ninguém disse...

Mais uma vez, coberto de razão: um mundo tão fechado que, de repente, se consumiu. bj