Chamai-me Ismael. Sim, pois, de tempos em tempos, quando preciso renovar as energias e a inspiração, tomadas por meses de burburinho e luta contra o relógio, sinto-me o próprio protagonista de “Moby Dick”, compelido a procurar a parte líquida de nosso planeta.
Credo, devo parecer presunçoso iniciando o texto assim, eu, que ainda não vi a terra desaparecer do meu campo de visão. Talvez por isso mesmo o mar exerça em mim tanta atração, assim como o tempo, a imagem e a palavra. Não há ano em que eu não busque um caminho que me permita vê-lo, ouvi-lo, senti-lo – e assim mesmo o mar ainda é apenas parte do meu imaginário.
O mar que concebo difere muito daquele que nos é dado pela vida moderna em um país tropical. Cerveja, esporte, sol a pino, sex appeal? É claro que o oceano mexe com minha essência, faz pensar em liberdade, em natureza, em amor – este próprio um anagrama para o título do texto. Porém, tanto a imagem que nos vendem de “Rio-quarenta-graus” quanto a realidade que encontramos – engarrafamentos, acidentes, poluição e praias lotadas e hiperurbanizadas – são um insulto ao local onde surgiu a vida.
Este Ismael ainda imagina um mar bucólico, crepuscular, para todas as estações, em frente ao qual os poetas possam encontrar inspiração, e os amantes, deixar navegar o pensamento com as velas da plenitude. Tão belo quanto perigoso, o mar azul e de águas tépidas dos pescadores de Caymmi é o mesmo das falésias britânicas e da bruma fria cantada por Macca em “Mull of Kintyre”.
Em vez de milhões esperando o ano novo em Copacabana em meio a um caos ocultado, vejo simples grupos de amigos, abraços e cabelos ao vento no aguardo do primeiro amanhecer. Em vez do triste paredão que rouba o pôr-do-sol em Balneário Camboriú, pequenas e acolhedoras casas, com seus avarandados dando passagem à agradável brisa com que o mar nos presenteia.
É assim que eu o imagino. Deixemos longe o barulho de carros, lanchas e jet skis e, enquanto não for possível a viagem já prometida, para, como Ismael, realmente conhecer o mar, sejamos apenas os namorados, pés tocando a areia, a ouvir, a cada quebrar das ondas, o oceano dizer o seu próprio nome: mar... mar... mar...
31.1.08
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2 comentários:
Fabuloso texto!
Chegaremos, quem sabe , um dia sermos Ismael!
Abraço
Cátia
O mar: "Homem livre, tu sempre gostarás do mar" C. Baudelaire
Bem interessante seus devaneios!
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