7.1.06

Versão brasileira

John Nash apareceu na televisão há alguns dias e fez confirmar um fato que, muitas vezes justifica uma comunidade no Orkut chamada “Eu odeio filme dublado!”. Para quem não lembra, John Nash é aquele professor de matemática interpretado por Russell Crowe em “Uma mente brilhante”. O curioso é que, até então, eu tinha motivos mais fortes que a dublagem para preferir o cinema à TV, como a proporção da tela, a qualidade de imagem, os comerciais, o escurinho do cinema, os dropes de anis, etc., etc.

Trocadilhos à parte, qual o papel de Russell Crowe nesta história? É que foi tão marcante sua atuação como John Nash que, se ele merecia o Oscar de Melhor Ator, era por “Uma mente brilhante”, e não por “Gladiador”, que ele recebeu no ano anterior.

Tão marcante que, na televisão, parecia haver desaparecido o Russell Crowe que eu vira no cinema. Os trejeitos, o olhar perdido, o comportamento estranho estavam lá. Mas por que John Nash não conseguia mais mostrar aquele ar de “pessoa estranha” que Crowe conseguiu criar? Lógico: porque a voz convencional da dublagem eliminou a interpretação “vocal” do ator neozelandês. Os dubladores são atores também, mas convenhamos: não era mais Russell Crowe no papel de John Nash, mas outro ator, brasileiro, fazendo uma interpretação própria das falas do personagem e “usando” o corpo de Russell Crowe.

Como será, então, quando a Globo ou o SBT, em outro fim de ano, apresentar “Ray”? O ator que dublará Jamie Foxx terá condições de estudar o personagem para imitar a voz e os trejeitos e ainda “traduzir para o português” o jeito de falar de Ray Charles? Os atores que fazem dublagem terão o mesmo tempo para desenvolver os personagens a serem dublados que têm os atores de uma nova produção? Não posso responder, mas, com a quantidade de filmes novos que vão para as locadoras semanalmente – além dos enlatados diretamente para a televisão –, acredito que não.

Há exceções memoráveis, como o Dr. Smith da série “Perdidos no espaço”, dos anos 60. Borges de Barros, o ator que dubla o Dr. Smith, chegou a ser elogiado pelo próprio Jonathan Harris, o dono do papel, pela forma com que conseguiu reproduzir em português a afetação, os sustos e a malícia do “vilão” da nave Júpiter 2. Mas isso foi há quase quarenta anos.


Quantas vozes inapropriadas ou mesmo desagradáveis encontramos hoje nos filmes dublados? Sem querer entrar em questões trabalhistas, é possível, pela forma com que algumas dessas vozes se repetem, que ou os dubladores se submetam a uma carga que impede um estudo maior dos personagens ou não estejam à altura dos desempenhos dos filmes originais. Massificação e padronização da cultura cinematográfica, massificação e padronização também de todas as etapas de sua produção... Mas que ingratidão. Nós, mentes brilhantes, deveríamos agradecer às redes de televisão por nos proporcionarem tão belo espetáculo, e ainda gratuito.

Um comentário:

Nildo Junior disse...

E olha que temos um dos melhores sistemas de dublagem do mundo. Os profissionais dessa área, na maioria das vezes, fazem um trabalho excelente. A gente percebe isso com mais nitidez nos desenhos animados e em filmes para crianças, quando os dubladores têm que fazer um pouco mais do que apenas ler textos e encaixar com a boca dos atores. Alguns filmes em DVD trazem esse processo nos extras, como o Robôs, que mostra a interpretação de André Mattos. Vale a pena.