9.5.06

Outonal nº 2

Andando por uma rua cinzenta de maio, percebi que o mesmo céu encoberto que apressava a noite deixava no peito uma estranha sensação, ao mesmo tempo calma e agoniada. Era outono, terra em que, ao sul do Trópico de Capricórnio, os dias se tornam cada vez mais curtos – e os espíritos mais introspectivos encontram, ao olhar à janela, o seu espelho.

No calendário da Revolução Francesa, os meses do inverno tinham som pesado e compasso longo (nivoso, pluvioso, ventoso). Mas esse som comprido e fechado, no português, não está no nome do inverno, e sim no do outono. Ou-tonnn-no. Som cavo, retumbante, de porta que bate, de casa vazia; de tempo fechado, de coração contrito.

Deu-se ao outono uma idéia triste, de morte, decadência: o outono da vida. O outono sempre foi o oposto da primavera; o primo pobre da estação das flores e dos amores. Não importa em qual estação se tenha nascido, sempre será perguntado quantas primaveras alguém completou. Como se tivesse nascido na primavera – ou como se o nascimento fosse, em qualquer mês, a primavera da vida.

Vejo o outono com outros olhos. Outono, a época da frutificação, sempre foi, para mim, vida e alegria. Nasci no terceiro dia de um outono. Mesma estação do ano em que nasceram minha mãe, meu irmão e minha filha. Mesma estação, neste hemisfério, em que se comemora a Páscoa – o dia do renascimento.

Chocolates à parte, lembro a Páscoa sempre como uma tarde de domingo ensolarada, nem fria, nem quente, na casa de meus avós. Não é à toa: em Porto Alegre, março e abril costumam ser meses de pouca chuva e dias bonitos, reforçados por um Sol oblíquo que deixa as cores mais vivazes. E os dias curtos valorizam ainda mais essas poucas horas de luzes e cores.


Quando as nuvens encobrem o céu, como naquela cinzenta rua de maio, é inevitável que as poucas horas de sol (em muitos dias nenhuma) deixem no coração um traço de melancolia. Mas aí também o outono frutifica: nessa hora os espíritos introspectivos sentem-se mais à vontade para se expressar – e a melancolia se faz poesia.

Um comentário:

Telejornalismo Fabico disse...

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eu sou meio torto, mesmo.
adoro dias cinzas.
e outonos cinzas.


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