3.5.06

Operação mãos limpas


Por esta o Lula não esperava. Duas semanas depois de o Brasil atingir a “auto-suficiência” na produção de petróleo, tão martelada em publicidade da Petrobras, o governo de Evo Morales decide nacionalizar o setor petrolífero e de gás na Bolívia, o que quer dizer: todas as empresas estrangeiras que exploram petróleo e gás natural naquele país terão 180 dias para se submeter ao decreto – ou deixar o solo boliviano. E a maior dessas empresas é justamente a Petrobras, que responde por 15% do PIB da Bolívia. De tão grande, nossa maior estatal assumiu ares de multinacional privada, pois, é claro, não lhe agradaram as medidas do presidente Evo Morales, provando que a pimenta na boca dos outros arde menos.

O governo brasileiro já deixou bem claro que, se a auto-suficiência pode economizar dólares com importação de petróleo, isso não vai fazer diferença nenhuma no nosso bolso: os preços são regidos pelo mercado global e não podem ser reduzidos só por causa da auto-suficiência. Então, que valor efetivo ela tem? Apenas o dos dólares antes gastos na importação, que ficam em Brasília mesmo, à disposição para mordomias ou projetos de lei em ano eleitoral. Em que pese o fato de que essas verbas não saiam do Brasil, esta é uma auto-suficiência tão de fachada quando aquele evento comemorado todo dia 7 de setembro.

Enquanto o exército boliviano ocupava as instalações da Petrobras no país vizinho, o presidente da estatal, José Carlos Gabrielli, reagia, considerando “unilateral” e “inamistosa” a atitude de Evo Morales. Uma iniciativa nacionalista séria, um golpe de marketing ou um lance populista, como vem dizendo a imprensa internacional? De qualquer forma, uma interessante oportunidade para acompanharmos a diplomacia do governo brasileiro diante de uma saia-justa. Se ele defender unicamente os interesses da Petrobras, põe em jogo os ideais de soberania que sempre foram bandeira do PT. E mais de 50% do gás natural que o Brasil consome vem da Bolívia – seu fornecimento poderia ser comprometido se houvesse um atrito econômico entre os dois países.

Por isso foi convocada uma reunião de emergência entre Lula, Evo Morales e os presidentes da Argentina, Nestor Kirchner, e da Venezuela, Hugo Chávez. Prudentemente, o governo brasileiro divulgou ontem uma nota defendendo o direito soberano da Bolívia de nacionalizar as riquezas do seu subsolo. Pelo menos isso, senhor presidente. Senão, o gesto das mãos sujas de petróleo, repetindo o de Getúlio Vargas em 1952, quando a Petrobras havia sido recém-criada, cairia no vazio.


(foto: Último Segundo/Agência Brasil)

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