31.1.06

Os anjos

Ó doces anjos das palavras,
Em vosso seio acalentai
Um'alma grata e a descoberta
De um universo intocado.

Quando calei encantamento
Deliciei-me a ouvir a voz
Onde deixei a cor do verso
Sentidos novos percebi.

Ó anjos, tendes tal presença
Que encontrais em cada estrofe
A refletir-se vossa imagem
Reensinando a ver a vida:

Fazer da chuva algodão-doce
De uma saudade um barco à vela
Do gosto acre a limonada
Da folha ao vento a borboleta.

30.1.06

Seis, sete, oito

Uma luz não se apaga:
Eis que digo o indizível
E o silêncio persiste.
Vê? O tempo é o mesmo.

O calor que me entorpece
Não aquece o lado esquerdo.
Só uma tênue coberta
De falsos risos e abraços.

Cansado, procuro sossego
No instante do dia que chega
Entretanto, acordo assustado:
O sonho é desfeito aqui mesmo.

27.1.06

Meu refúgio

Em meu calmo refúgio
Escapo ao burburinho
Encontro meus amigos
E nos rimos entre histórias e piadas.

Em meu doce refúgio
Escrevo, leio, canto
Recebo a namorada
Fascinado pelos sonhos que traçamos.

Em meu belo refúgio
Eu vejo da janela
Um lindo campo verde
O azul do céu e ao lado escrito "Windows".

23.1.06

O Mar da Tranqüilidade

Mar de águas serenas, tranqüilas, te vejo espelhado
Na criança pequena que dorme e nem lembra os sonhos que teve
Na adolescente que volta pensando no amor encontrado
Nos velhos amigos e na confiança que o tempo não leva
No homem matuto contente com pouco que teve de Deus
No idoso em família que diz: vale a vida vivida entre os seus.

Mar de águas claras e calmas,
Por que deixamos turvar o teu límpido rosto?
Satélite do homem,
Tão próximo ao toque!
Nosso espírito inquieto
Pousou em tua face
Ferindo a beleza tua
E em vã tormenta escondendo
A tranqüilidade da Lua.

19.1.06

Amar as palavras

Janeiro passa da metade quando me dou conta: no dia 9, completaram-se seis meses que estou aqui, escrevendo. Nesse tempo, mais de quarenta vezes tive motivos para clicar o botão “publicar postagem” do site. E pensar que demorei dois meses apenas para criar coragem e despir o rei. Difícil é dar a primeira pedalada, não andar de bicicleta. Sem saber onde poderia parar, às vezes parava frente a um verso ou uma frase, e: modéstia à parte, gostei disto.

Volta e meia perambulam entre minhas palavras amigos que me ajudaram a estar aqui. Muito usei de lugares-comuns, certas concessões precisei pedir ao leitor e a outros autores. Afinal, escrever segue sendo um duelo entre o novo e o que já foi dito. Posso dizer o mesmo de outra forma sem copiar? E se o justo sentimento já expresso por outrem se repetir, ele não será novo – para mim, pelo menos? "Mas quais são as palavras que nunca são ditas?"

O ainda desconhecido protótipo de cronista e poeta terá de lutar muito se quiser um editor. Por enquanto, neste microuniverso, além de geralmente ignorado, ele já foi elogiado, contestado anonimamente, de certa forma censurado, serviu de inspiração... e, mais importante, um punhado de vezes teve confirmadas as palavras da amiga que o incentivaram a buscar na poesia uma forma de expressão (alô, Karen!).


Continuar aqui é, a cada dia, uma esperança de encontrar nas palavras uma fonte de liberdade, de autoconhecimento, da emoção que corre nas veias, mas que normalmente não se deixa sangrar por puro medo. Amar as palavras é amar sua origem, seu chão, o que eu modestamente tenho tentado. Acordar sozinho para as “grandes verdades” já é um exercício difícil, Katinha; quando se consegue pôr isso em palavras e ajudar alguém, já se chegou a algum lugar. Portanto, let it bleed.

18.1.06

POA 40 Graus

Piazada da vila tomando banho em lago de parque, calçada de edifício e carro de inconseqüente – esses são os que se dão melhor. Porque, de resto, os verões porto-alegrenses (e gaúchos, no geral) têm cozinhado o cidadão e abalado a fama de clima frio que o Rio Grande do Sul tem. Não lembro, na infância ou na adolescência, de que alguém falasse em sensação térmica de 43 graus. Isso era coisa para o Rio de Janeiro. Refúgios? Ar condicionado e vários banhos gelados (gelados?) por dia – para quem pode ter esses privilégios.

São Pedro pareceu esquecer, na primeira metade de janeiro, o estado que o escolheu como padroeiro. Mas dizem que a culpa não é do santo, e sim do buraco na camada de ozônio. De qualquer forma, basta ver, em qualquer época do ano, nos mapas climáticos da televisão, as cores, cada uma representando uma condição do tempo. A divisa entre Rio Grande do Sul e Santa Catarina é, freqüentemente, também limite entre duas cores diferentes. Se faz sol cá, chove lá, e vice-versa. Existe qualquer coisa de errado com o rio Uruguai. Merece uma investigação, quem sabe uma CPI, faz bem a Brasília em ano de eleição.

Enquanto isso, excesso de energia e falta d’água. Tomara que este ano não seja como 2005, com seca até março. Eu lembro a alegria que foi quando caiu a primeira chuva de verdade após três meses. Plantações e gado literalmente pedindo água, solo rachado como nos desertos de filme, água saindo da torneira com cheiro de terra – tudo isso já estava acontecendo de novo.

Bem, depois de dez dias cozinhando em fogo alto, o porto-alegrense mereceu um fogo brando e até alguma chuva. Tanto que quase desisti de falar sobre o assunto, ainda mais que Juremir Machado da Silva teve a mesma idéia e escreveu antes. Mas a referência ao filme de Nelson Pereira dos Santos e à música de Fernanda Abreu estava em todas as bocas, caindo de madura.

17.1.06

Nosso encontro

Certo dia vi ao longe pequena borboleta
Branca, marrom,
Manchas verdes feito olhos;
Encantaram-me a graça e a beleza.
De repente achegou-se, num vôo alegre;
Estiquei o braço e ela pousou em minha mão.

Então, flutuando carinhosa,
Esvoaçou à volta, beijou-me o rosto
Afastou-se, virou-se, foi descansar
Pousada num ramo de árvore.
No dia seguinte ela foi embora
Será que a verei de novo?
Triste eu me perguntava
Enquanto alegre pensava
Nesse nosso encontro.

16.1.06

Rescaldo

Afinal, o que resta?

Queimaste minh’alma, e pouco ficou.
Surpresas, enlevos, promessas,
Engodos, ausências, mentiras
Tuas curvas, teu cheiro, tuas mãos.
Estou me sentindo vivo.
Mas nunca aprendi a dizer
Deste a vida e mais tarde
Ensinaste alguém a chorar.
O tamanho do meu amor
Brasas ardendo ainda
Fotos que nunca existiram
Bichinho feito em pelúcia
Caixa cheia de cartas
E outra caixa de cinzas.

Aqui, dentro do peito.

9.1.06

Quimera

O brilho nos teus olhos era
A lágrima escondida era
Saudade antes do tempo era
O amor imaginado apenas era.
Ah, quem dera.

7.1.06

Versão brasileira

John Nash apareceu na televisão há alguns dias e fez confirmar um fato que, muitas vezes justifica uma comunidade no Orkut chamada “Eu odeio filme dublado!”. Para quem não lembra, John Nash é aquele professor de matemática interpretado por Russell Crowe em “Uma mente brilhante”. O curioso é que, até então, eu tinha motivos mais fortes que a dublagem para preferir o cinema à TV, como a proporção da tela, a qualidade de imagem, os comerciais, o escurinho do cinema, os dropes de anis, etc., etc.

Trocadilhos à parte, qual o papel de Russell Crowe nesta história? É que foi tão marcante sua atuação como John Nash que, se ele merecia o Oscar de Melhor Ator, era por “Uma mente brilhante”, e não por “Gladiador”, que ele recebeu no ano anterior.

Tão marcante que, na televisão, parecia haver desaparecido o Russell Crowe que eu vira no cinema. Os trejeitos, o olhar perdido, o comportamento estranho estavam lá. Mas por que John Nash não conseguia mais mostrar aquele ar de “pessoa estranha” que Crowe conseguiu criar? Lógico: porque a voz convencional da dublagem eliminou a interpretação “vocal” do ator neozelandês. Os dubladores são atores também, mas convenhamos: não era mais Russell Crowe no papel de John Nash, mas outro ator, brasileiro, fazendo uma interpretação própria das falas do personagem e “usando” o corpo de Russell Crowe.

Como será, então, quando a Globo ou o SBT, em outro fim de ano, apresentar “Ray”? O ator que dublará Jamie Foxx terá condições de estudar o personagem para imitar a voz e os trejeitos e ainda “traduzir para o português” o jeito de falar de Ray Charles? Os atores que fazem dublagem terão o mesmo tempo para desenvolver os personagens a serem dublados que têm os atores de uma nova produção? Não posso responder, mas, com a quantidade de filmes novos que vão para as locadoras semanalmente – além dos enlatados diretamente para a televisão –, acredito que não.

Há exceções memoráveis, como o Dr. Smith da série “Perdidos no espaço”, dos anos 60. Borges de Barros, o ator que dubla o Dr. Smith, chegou a ser elogiado pelo próprio Jonathan Harris, o dono do papel, pela forma com que conseguiu reproduzir em português a afetação, os sustos e a malícia do “vilão” da nave Júpiter 2. Mas isso foi há quase quarenta anos.


Quantas vozes inapropriadas ou mesmo desagradáveis encontramos hoje nos filmes dublados? Sem querer entrar em questões trabalhistas, é possível, pela forma com que algumas dessas vozes se repetem, que ou os dubladores se submetam a uma carga que impede um estudo maior dos personagens ou não estejam à altura dos desempenhos dos filmes originais. Massificação e padronização da cultura cinematográfica, massificação e padronização também de todas as etapas de sua produção... Mas que ingratidão. Nós, mentes brilhantes, deveríamos agradecer às redes de televisão por nos proporcionarem tão belo espetáculo, e ainda gratuito.

1.1.06

Encontro

Olhei para minha janela ontem à noitinha. A chuva e os trovões cessaram para que se pudessem ouvir os foguetes. O céu olhava a cidade com olhos cinza-escuro, preparando-se para fechá-los, e o bucólico do momento fez com que me imaginasse ali mesmo ao primeiro amanhecer de 2006. Era algo como ir à meia-noite à estréia de algum filme muito esperado para poder dizer “estive lá”.

Entretanto, faltei ao encontro e contentei-me em ver, mais tarde, aquela estranha desolação de todo dia primeiro de janeiro. Um pequeno lembrete de Ano Novo, pensei, de que certas decisões merecem mais determinação – e de que outras, nem tanto. Eu não sabia o que escrever primeiro em 2006, até lembrar esse encontro adiado para outro dia do novo ano.