5.10.05

Patrício

– Tu és patrício?

A surpresa no meu "O quê?" certamente tornava desnecessária uma nova pergunta, mas ele gentilmente repetiu:

– Tu és patrício?

– Acho que não – respondi –, não que eu saiba.

Minha surpresa, na verdade, fazia muito menos sentido que a curiosidade do meu interlocutor, um empresário judeu que eu havia entrevistado. Afinal, aquela pergunta não era novidade para mim. O sobrenome engana. O tipo de rosto, alongado, com nariz meio avantajado, como têm também Ben Stiller ou Jerry Lewis, talvez enganem, ainda ajudados por meu cavanhaque... Tanto que eu já cheguei a me perguntar se meus ancestrais seriam judeus convertidos.

Pelo que sei hoje, é pouco provável. Mas, se fossem, isso não me incomodaria, pelo contrário. Foi com satisfação que descobri que, em meio à minha salada européia, tenho sangue indígena, confirmando o que ouvi, dez anos antes, do professor Moacyr Flores, numa excelente aula de História do Rio Grande do Sul.

Tenho simpatia pelo povo do Torá, embora pouco saiba a respeito. Nunca entrei em uma sinagoga, mas já fui a uma cerimônia fúnebre judaica. É incrível vê-los, tão brasileiros quanto eu, rezando em iídiche enquanto nós, cristãos, nada sabemos de latim. Cordeiro de Deus, tende piedade de nós...

Sempre ouvi falar também de sua união, sua disposição para se ajudarem mutuamente. Uma vez entrevistei o síndico de um edifício em que quase todos os moradores eram judeus. Ele não precisava contratar serviços de fora para o condomínio - contratava os serviços dos vizinhos. Essa "separação" pode parecer sectarismo, preconceito, mas, pensando bem, em nossa sociedade capitalista é cada um por si, ninguém está aí para nos ajudar.

Tenho mesmo simpatia por esse povo. Acho que os judeus deviam conviver pacificamente com os palestinos, que deveria haver na Terra Santa também um Estado palestino. Entretanto, é realmente admirável um povo ressuscitar uma língua morta, o que aconteceu com o hebraico no século XIX.

E quando descobri essa simpatia? Talvez tenha sido ao assistir ao filme "Tenha fé", uma estupenda comédia que mostra uma amizade inseparável entre um rabino (o Ben Stiller que eu citei) e um padre (Edward Norton, que também dirigiu o filme). E ao ver que tive, até hoje, algumas excelentes (embora poucas) amizades com judeus. Um de meus melhores amigos é judeu - apesar de ser pra lá de heterodoxo.

Sei lá, vai ver que, na parcela de sangue espanhol de minha mãe, havia alguma ascendência judaica - pois os judeus também tiveram importância na formação do povo espanhol, não foram só os árabes. Vai ver que eu tenho também algo de patrício, independentemente de sermos todos filhos de Noé. Contudo, ainda tenho muito a aprender sobre essa civilização. Pois, por coincidência, veio esta inspiração e eu nem sabia que anteontem era o dia do ano novo judeu.

Portanto, Hosh Hashaná!

Um comentário:

Anônimo disse...

Eu também já ouvi essa pergunta, mais de uma vez, com toda essa minha cara de italiano.