24.9.06

Saudades, saudades

Pego o jornal e lá está na capa a tradicional foto dos premiados se acotovelando no palco do Palácio dos Festivais, em Gramado. Outro dia, é um novo ciclo de filmes exóticos - sejam eles russos, iranianos ou brasileiros. Mais um pouco e já estão falando de novo no Oscar. Parece que é tudo só para me lembrar de que há dois intermináveis meses eu não entro em uma sala de cinema. Em outros tempos, era bem mais fácil conferir a programação e decidir o filme a que eu assistiria dali a meia hora.

Mas nem preciso ir muito longe: em fevereiro último, quatorze vezes meus artistas favoritos me viram no cinema, em meio ao público. Agora, que a rotina é outra, se mal consigo ver os filmes pipoca, que se dirá dos que estimulam as células cinzentas a funcionar e o espectador a ficar em casa? Saber que tantos filmes são exibidos para o meu lugar vazio no cinema me enche de uma melancolia, de saudades que aos poucos vou tentando matar.

Que saudades? Dos artistas do cinema, dos diretores, da obra de arte chamada filme. Foi para matar saudade de Kevin Spacey que fui ver o pipoquésimo “Superman returns”. Sou conservador demais, dirão alguns, mas nada se compara ao Lex Luthor de Gene Hackman, menos louco e (deliciosamente) mais irritante. E, claro, Brandon Routh, com a difícil tarefa de suceder a Christopher Reeve, prova que quem nasceu para Superman nunca conseguirá ser Clark Kent.

Matei saudades encontrando Elijah Wood na locadora, olhos esbugalhados atrás de fundos de garrafa e um campo de girassóis à volta. “Uma vida iluminada” – o que dizer, então, do filme, um tocante e bem-humorado road movie? Bárbaro o choque cultural mostrando que não apenas os judeus seguem em busca de seu passado e suas origens; os países surgidos do fim da União Soviética também vivem, à cata de algum futuro, uma crise de identidade.

Na locadora também cruzei com Ben Kingsley, que há tempos não encontrava. Quase irreconhecível atrás da maquiagem de Fagin, ele honrou o “Oliver Twist” de Roman Polanski, um belo e cuidado filme, mas que não me contagiou. Kingsley continua provando sua capacidade para encarnar qualquer personagem – em qualquer ponto do gradiente entre Gandhi e o ultraviolento Don Logan de “Sexy beast”.

Saudades, saudades. Ainda há muitas das quais tenho que me livrar. Natalie Portman havia sido um grato encontro em “V de vingança”, mas convenhamos: a voz de Hugo Weaving, apenas, não conta. Saudades, saudades. E pensar que há alguns meses eu me perguntava apenas por Winona Ryder. É por culpa minha, mas onde estão a camaleônica Cate Blanchett, o doce e tristonho olhar de Claire Danes, a versatilidade de Edward Norton, as mulheres, os homens e os gays de Almodóvar?

Até a semana passada, a trilogia dos mutantes de Charles Xavier ainda estava inconclusa para este pretenso cinéfilo, que se apraz tanto com o alternativo quanto com o arrasa-quarteirão. E, afinal, M. Night Shyamalan é um gênio ou um embuste? Como o Sean Hagen optou pela segunda alternativa, eu, que gosto do trabalho do cineasta indiano, lamentei ainda mais o fato de ter deixado “A dama na água” sair de cartaz.

Depois que os olhos de Luísa se abriram, literalmente uma nova vida surgiu diante de mim, e meus amigos de celulóide não poderão mais me ver sempre que quero. Essa arte chamada de sétima (e que seria primeira se de mim dependesse) está me ensinando outra, a arte da paciência. E espero ter a mesma paciência que vocês têm tido com minha ausência, meus saudosos amigos.

2 comentários:

Telejornalismo Fabico disse...

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agora vai ter que explicar: que papo é esse de vc querer ver o Shyamalan ainda mais depois que eu arrasei o filme?
não tô valendo nem duas merrecas, mesmo.
mas a grande Luísa se vinga por mim, te impedindo de cheirar o mofo das salas.
vai ter que engolir meu comentário sobre a Dama no Lago quietinho.
:p


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Ferdibrand disse...

Engulo quietinho nada, pois mal posso esperar o lançamento em DVD! :D

Depois dos Sinais que o Shyamalan deixou nos outros filmes, estou de Corpo Fechado para críticas negativas: meu Sexto Sentido diz que A Dama na Água não deve ser tão mau assim.